A Sociedade Torre de Vigia e sua Versão das Boas Novas – William Gadelha

Copyright © 2002 William Gadêlha

Atualizado 2021

A organização Torre de Vigia considera que a pregação feita por seus mais de 8 milhões de membros cumpre a profecia de Jesus em Mateus 24:14:

E estas boas novas do reino serão pregadas em toda a terra habitada, em testemunho a todas as nações; e então virá o fim.

Ela acha que isso a qualifica, e apenas a ela, como a única religião verdadeira na face da terra, a única organização aquinhoada com a bênção divina. Mas, será que é assim mesmo? Será que ela detém, de fato, esta exclusividade? Será que as “boas novas” que ela prega de porta em porta e de outras formas, são as legítimas boas novas, tal como eram pregadas lá no primeiro século? Estará mesmo conseguindo cumprir, até agora, as palavras de Jesus?

  • Que Boas Novas São Essas?

A organização Torre de Vigia se jacta de que as boas novas que ela prega são diferentes. Ela procura atribuir à pregação dela algo de especial, inédito e superior a tudo que até a época da Primeira Guerra Mundial se fizera. Explicando a própria pretensão neste respeito, ela diz em A Sentinela de 15 de maio de 1981, página 28, parágrafo 15:

Os que zombam disso talvez queiram minimizar esta realização e enfatizar que os missionários da cristandade, nos séculos passados, chegaram a todos estes lugares antes de surgirem as testemunhas cristãs de Jeová. É verdade! Mas o testemunho do Reino dado pelas Testemunhas de Jeová desde 1914, é algo bem diferente do que os missionários da cristandade divulgaram, tanto antes como desde 1914.

E passa a esclarecer, na pagina 29 da mesma revista, as razões desta diferença, entre elas o fato de esta pregação “ocorrer dentro dos últimos dias”, “o estabelecimento do reino de Deus, como realidade, em 1914”, e “um notável derramamento do espírito de Deus, desde 1919, em cumprimento completo de Joel 2:28, 29”.

Em resumo, ela crê que suas “boas novas” são a respeito de um reino que se estabeleceu nos céus, de modo invisível aos humanos, no ano de 1914. Afirma ainda, sem comprovação alguma, que a partir de 1919 ocorre o cumprimento completo de Joel 2:28, 29.

Quanto ao primeiro evento, trata-se de interpretação arbitrária dos “sete tempos” de Daniel 4:16, 32, de um sonho que de fato se cumpriu na pessoa do rei Nabucodonosor. Parte alguma da Bíblia diz que haveria um segundo e maior cumprimento nem que estes “sete tempos” eram os “tempos designados das nações” mencionados por Jesus em Lucas 21:24. Qualquer ligação entre essas duas passagens carece do principal: apoio das próprias Escrituras. Pela mesma razão, arbitrário e sem fundamento é também o cálculo que coloca o início dos Tempos dos Gentios em 607 AEC (suposta segunda aplicação da loucura de Nabucodonosor), o período de 2520 anos e seu suposto fim em 1914 (a cura do rei e sua volta ao poder).

O segundo evento (profecia de Joel 2:28, 29) também já teve seu cumprimento (no primeiro século), por ocasião de Pentecostes de 33 EC, conforme atestado pelo apóstolo Pedro quando explicava não ser embriaguez as conseqüências do derramamento do espírito santo em Atos 2:16, 17:

Ao contrário, isto é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: “E nos últimos dias”, diz Deus, “derramarei do meu espírito…”

Adicionalmente, é interessante constatar que Pedro, aplicando as palavras de Joel, referiu-se àquele período como já fazendo parte dos “últimos dias”, que a Sociedade afirma só se terem iniciado em 1914, o que seria, segundo ela, mais um fator a conferir às “boas novas” dela uma condição “bem diferente.”

É exatamente com este argumento, como já vimos (Sentinela 15/5/81, página 28, parágrafo 15), que ela procura invalidar a pregação feita pelos missionários da cristandade antes do surgimento das Testemunhas, argumentando que a delas é “bem diferente” das que foram divulgadas “tanto antes como desde 1914.”

Portanto, as razões de as “boas novas” da Sociedade serem diferentes e serem “algo exclusivo” (Sentinela 15/5/81, página 28, parágrafo 16) não têm nenhuma base sólida nas Escrituras, dependem totalmente de uma interpretação exclusivista do Corpo Governante. Não é de admirar que ela considere sua pregação superior à das igrejas da cristandade por causa de tais motivos.

  • As Mesmas do Primeiro Século?

Levando em conta o que acabamos de considerar, deve-se perguntar: Serão essas “boas novas” da Sociedade Torre de Vigia as mesmas boas novas que foram divulgadas pelo primitivo cristianismo, de quem ela se considera continuadora?

Bem, ela mesma reconhece que as dela são “diferentes”. Em A Sentinela de 1o de novembro de 1981, página 17, ela destaca:

3 Compare a pessoa sincera a espécie de pregação do evangelho do Reino feita pelos sistemas religiosos da cristandade, durante todos os séculos, com a feita pelas Testemunhas de Jeová desde o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918. Não são iguais. A das Testemunhas de Jeová é realmente “evangelho”, ou “boas novas”, sobre o reino celestial de Deus, estabelecido pela entronização de seu Filho, Jesus Cristo, na fim dos Tempos dos Gentios em 1914.

Ela conclui, assim, que o “evangelho” dela é o verdadeiro evangelho porque fala do “reino celestial de Deus, estabelecido pela entronização de seu Filho, Jesus Cristo, no fim dos tempos dos Gentios em 1914″. Ou seja, este fato específico faz com que a pregação das Testemunhas seja realmente “boas novas”, segundo o “entendimento” da Sociedade Torre de Vigia.

Todavia, Gálatas 1: 8, 9 adverte:

No entanto, mesmo que nós ou um anjo do céu vos declarássemos como boas novas algo além daquilo que vos declaramos como boas novas, seja amaldiçoado. Como já dissemos, também digo agora novamente: Quem quer que vos esteja declarando como boas novas algo além daquilo que aceitastes, seja amaldiçoado.

Portanto, a Bíblia é bem enfática em mostrar que quem declarasse como boas novas algo além daquilo que os cristãos primitivos já tivessem aceitado, deveria ser amaldiçoado. Note bem, poderia até haver muito de correto nestas boas novas, mas se contivessem “algo além” isto seria motivo para maldição. Não se trata de algo de pouca importância ou conseqüência.

Torna-se, neste ponto, bem evidente que a Sociedade Torre de Vigia, segundo suas próprias publicações, acrescentou à sua versão das “boas novas” algo que não foi declarado no primeiro século, e que também não aparece nas Escrituras!

As verdadeiras boas novas ou evangelho da Bíblia não chamam a atenção para 1914, ou para qualquer outra data, ou tentam convencer pessoas sobre acontecimentos “invisíveis” ocorridos nos céus, sem para isso apresentar uma firme e inquestionável base nas Escrituras.

  • De que tratam elas?

A expressão “evangelho” ou “boas novas” ocorre mais de cem vezes nas Escrituras Gregas. E o que elas destacam? Apenas oito vezes ela surge como “boas novas do reino”. Em todos os outros casos a expressão surge como “boas novas acerca do Cristo”, ou termos similares, que mostram que o assunto está ligado a ele, Cristo, sua pessoa, e não primariamente a um governo.

E mesmo quando fala em “boas novas do reino”, este reino está totalmente conectado e inteiramente relacionado ao próprio Cristo; ele, Jesus, é o centro das boas novas!

Tanto isto é verdade que ele disse o registrado em Lucas 17:21:

Eis que o reino de Deus está no vosso meio.

E o que quis Ele dizer com isto? Nada menos que o próprio Jesus (que naquele momento estava entre eles) é que é o centro, a essência deste reino de Deus!

As boas novas tratam do próprio Cristo, seu sacrifício em resgate da humanidade, a reconciliação com Deus, a ressurreição e a vida eterna.

É como Paulo declarou em 1 Coríntios 2:2:

Pois decidi não saber coisa alguma entre vós, exceto Jesus Cristo, e este pregado numa estaca.

Estas é que são as boas novas, as mesmas que foram pregadas pelas primitivas congregações cristãs, dirigidas pelo próprio Cristo, segundo sua promessa de estar com seus seguidores “todos os dias até a terminação do sistema de coisas” (Mat. 28:20), durante todos os séculos de Pentecostes até agora.

A Palavra de Deus não dá apoio ao ensino do Corpo Governante de que as verdadeiras boas novas só começaram a ser pregadas nos últimos 100 anos, muito menos em conexão com as datas de 1914 e 1919.

Se Paulo estivesse ainda hoje na terra certamente poderia aplicar às “boas novas” da Sociedade Torre de Vigia as mesmas palavras que ele escreveu em Gálatas 1:6:

Estou admirado de que estais sendo removidos tão depressa Daquele que vos chamou com a benignidade imerecida de Cristo, para outra sorte de boas novas.

Se a condição de ‘única religião da terra aprovada por Deus’ depende da sorte de “boas novas” patrocinada pela Sociedade Torre de Vigia e seu Corpo Governante, tal afirmação passa a ser altamente questionável. Aprovará Deus uma pregação de “boas novas” que foram acrescentadas de “algo além” do que foi declarado pelos apóstolos? (Gálatas 6:1)

  • O Cumprimento das Palavras de Jesus

E como, então, se cumpre a profecia de Mateus 24:14?

Ora, onde está o registro das boas novas? Onde estão elas escritas? Nas Escrituras Gregas Cristãs, também chamadas de Novo Testamento! O que lemos na primeira página dele, em quase todas as traduções da Bíblia?

“O Evangelho (ou “Boas Novas”) segundo Mateus”

Todo o ensinamento, todas as grandiosas promessas relacionadas com o reino de Cristo, em sua inteireza, estão contidos nas páginas das Escrituras Gregas. Nada lhes falta. Homem algum está autorizado a lhes fazer acréscimos.

E onde quer que essas páginas tenham chegado, onde quer que elas tenham sido lidas, aí foram pregadas as boas novas a respeito do Cristo.

  • Por Quem?

A Sentinela de 15 de abril de 1960, página 260, informa:

Certa notícia mostrou que a Bíblia tem sido traduzida, inteira ou parcialmente, em 1.136 idiomas diferentes… Só em 1958, uma sociedade bíblica americana distribuiu mais de 16,6 milhões de exemplares da Bíblia e acrescentou três novos idiomas ao número de línguas em que agora é publicada, elevando o total a 1.136.

Quem realizou esta grande obra de disseminação da Bíblia, o livro onde estão contidas as verdadeiras boas novas? Não foi a Sociedade, cuja Tradução do Novo Mundo só foi lançada em 1961! Foram as igrejas da cristandade!

Veja também o que diz A Bíblia – Palavra de Deus ou de Homem? (1989), página 7:

Segundo a edição em inglês, de 1988, de Guinness  Livro de Recordes Mundiais, calcula-se que se imprimiram 2.500.000.000 de exemplares entre 1815 e 1975…

A Bíblia pode agora ser lida na sua inteireza ou em partes em mais de 1.800 idiomas. A Sociedade Bíblica Americana relata que a Bíblia está agora disponível a 98 por cento da população de nosso planeta. Imagine o enorme esforço despendido na produção de tantas traduções! Que outro livro recebeu tanta atenção?

Quem produziu estes números fabulosos no espaço de 160 anos, disponibilizando as boas novas que elas trazem para 98 por cento das pessoas da terra? Não foi a Sociedade Torre de Vigia, mas organizações religiosas da cristandade! Considerando-se que qualquer pregação das boas novas é impossível sem a página impressa da Palavra de Deus nos idiomas dos povos, quem realmente fez mais por ela, levando-a a “toda a terra habitada, em testemunho a todas as nações”?

A história comprova que, em todos os séculos depois de Cristo, estas boas novas têm sido divulgadas em toda a terra, até mesmo antes de lá chegarem os missionários da Torre de Vigia! E observe que Jesus disse: “estas boas novas do reino serão pregadas em toda a terra habitada”; não disse que seriam pregadas por uma determinada organização que teria de preencher certos requisitos.

Será que a Sociedade Torre de Vigia pode contradizer este fato, e dizer que as boas novas só começaram a ser pregadas depois que ela veio a existir em 1884, a partir de 1914, 1918 ou 1919, apesar das palavras de Jesus em Mateus 28:20?

E eis que estou convosco todos os dias, até a terminação do sistema de coisas.

Talvez a organização argumente (como de fato faz) que mesmo levando estas boas novas, os diversos grupos religiosos aos quais ela desdenhosamente chama de “cristandade” estão maculados com alguns ensinos falsos. Mas se isso for verdade, acaso está a Sociedade livre de ensinos falsos? Não, não está. Isso já foi demonstrado em outros artigos desta homepage.

Só para citar um exemplo dentre muitos:

Até novembro de 1995 a Sociedade Torre de Vigia ensinava que a geração que presenciou os acontecimentos de 1914 veria o fim deste sistema de coisas e o início de uma nova ordem mundial na terra (Poderá Viver Para Sempre no Paraíso na Terra, página 154, parágrafo 8). Durante décadas, isto foi acoplado à pregação das “boas novas” feita pela Sociedade Torre de Vigia.

Isto foi mudado (A Sentinela 1/11/95, página 19, parágrafo 12). E por quê?

Simples: tratava-se de um ensino falso e na época o Corpo Governante não sabia.

Outro exemplo: durante muitos anos, as Testemunhas de Jeová aprenderam que a separação de ovelhas e cabritos estava em andamento à medida que as “boas novas” da Sociedade Torre de Vigia eram pregadas. (Poderá Viver, página 183, parágrafos 22 e 23)

Isto também mudou (A Sentinela 15/10/95, página 23, parágrafo 26). E por que mudou?

Simples: era outro ensino falso e na época o Corpo Governante não sabia!

E quantos outros ensinos falsos ele pode estar pregando atualmente sem o saber?

Pergunta-se à Sociedade: será que isto invalida a sua pregação das boas novas durante o tempo em que tais ensinos falsos eram divulgados como verdade revelada?

Ela não responderia de modo afirmativo a esta pergunta. Por que seria diferente com as igrejas da cristandade? Se pregaram em todos os continentes as boas novas a respeito do Cristo, seu sacrifício como meio de salvação para a humanidade, a reconciliação com Deus, a ressurreição e a vida eterna, então pode-se verazmente dizer que as boas novas foram levadas a toda a terra habitada, como Jesus disse que seriam.

Se a pregação feita nos séculos que se seguiram à morte e ressurreição de Jesus, antes do surgimento da Sociedade Torre de Vigia, não foram válidas, então as palavras dele em Mateus 24:14 e 28:20 não se cumpriram.

O que conta é que Jesus garantiu que estaria com seus seguidores até a consumação dos séculos, sem nenhuma interrupção. (Mateus 28:20) E estes seguidores teriam necessariamente de estar pregando as boas novas durante “todos os dias” desde 33 da Era Cristã. Logo, não pode ser verdade que as verdadeiras boas novas só começaram a ser pregadas no início do século 20, como afirma A Sentinela de 15 de maio de 1981, páginas 28, 29.

Conseqüentemente, a organização Torre de Vigia de Bíblias e Tratados não tem razão e, principalmente, não dispõe de base bíblica, para afirmar de modo presunçoso que ela é a exclusiva e legítima portadora das “boas novas a respeito do Cristo e a respeito do Reino”. Se afirmar que, mesmo tendo divulgado (e ainda divulgando) falsos ensinos junto com suas “boas novas”, sua pregação nos últimos 100 anos foi válida, terá que admitir o mesmo mérito às religiões da cristandade, que cobriram um território bem maior que ela. Se afirmar que os erros da cristandade invalidam a pregação que fez durante todos estes séculos, não há como não dizer o mesmo da própria pregação das Testemunhas, e mais ainda, estará negando o cumprimento das palavras de Jesus quanto a estar com seus seguidores todos os dias, desde o primeiro século até agora.

  • Quão Eficaz É Essa Pregação?

Que dizer da eficácia da pregação das “boas novas” promovidas pela Sociedade Torre de Vigia? Terá, de fato, cumprido as palavras de Mateus 24:14, como ela afirma por meio de suas publicações? Segundo o Anuário 2002 das Testemunhas de Jeová, o número de publicadores atinge agora 6.117.666, e estes relataram o total de 1.169.082.225 horas passadas na divulgação das mensagens da Torre de Vigia. Aparentemente, são números portentosos. Mas, significam estes números que a Sociedade tem tido êxito em fazer suas “boas novas” chegarem a “toda a terra habitada”, a “todas as nações”?

Não resta dúvida de que em algumas partes da terra (América do Norte, Europa, Japão, América Latina) tem havido uma boa cobertura do território visado. Todavia, está longe de a organização poder dizer que atingiu todas, ou sequer a metade das pessoas de “toda a terra habitada”. (Mat. 24:14) Uma olhada mais atenta no Anuário de 2002, leva a interessantes conclusões. Segundo esse relatório, na Índia, por exemplo, há UM publicador para cada 44.815 habitantes! Na Líbia, há apenas UMA Testemunha de Jeová ativa para 192.032 habitantes. No caso do Paquistão, há UM publicador para 232.727 pessoas! No caso de Bangladesh (com uma população de 129 milhões de habitantes e apenas 105 Testemunhas), a proporção é de UM publicador para 1.230.048 habitantes! Quanto tempo ainda será necessário para cada um dos publicadores de Bangladesh contatar sua quota de 1.230.048 pessoas?

E isso sem falar na China, com mais de um 1.200.000.000 de habitantes, e um pequeno punhado de Testemunhas de Jeová. Embora não saibamos quantos publicadores há na China, o Anuário de 2002 relatava o número de 9.914 publicadores em cerca de 28 países que não são alistados por nome. Mesmo que estes 9.914 publicadores estivessem todos na China (e não estão), ainda seriam insignificantes em número em relação àquela imensa população. Quantos, deste número de mais de um bilhão e duzentos milhões de chineses, já ouviram as “boas novas” da Sociedade Torre de Vigia?

Com esses números, como se pode crer que a Sociedade chegou a “toda a terra habitada” com a pregação de suas “boas novas”?

A conclusão, já que estamos bem avançados no tempo do fim, é que o alcance dessas “boas novas diferentes” ainda deixa muito a desejar, para que se chegue ao ponto de dizer que pelo menos a metade das pessoas destes países e de muitos outros (principalmente os países árabes e muçulmanos) já as escutou.

  • A Qualidade da Pregação

Quanto à qualidade desta pregação, certamente todos os publicadores concordarão que não pode ser medida pelo número de horas, pois é fato amplamente conhecido que grande parte deste mais de um bilhão de horas não foi exatamente gasta na pregação ou ensino dessas “boas novas”. Nos 24 anos que passei na organização das Testemunhas de Jeová, a maior parte destes como ancião, posso relatar que tive chance de acompanhar literalmente centenas desses publicadores no serviço de campo. Digo com toda a franqueza que a maior parte deles não chega a dar um testemunho cabal, exato, das boas novas para os moradores de seus territórios designados. É verdade que existem aqueles que são zelosos e sinceros, capazes de transmitir claramente o que o Corpo Governante quer que se transmita. Eu mesmo me esforcei em cumprir o que eu achava ser um “serviço sagrado”, durante todos aqueles anos de lealdade à Torre de Vigia.

Mas o que a maioria deles sabia e preferia fazer durante essa suposta “pregação” era “colocar” revistas por certa quantia em dinheiro (desde janeiro de 2000 sugerem contribuições voluntárias ao morador). Isto todos os que são Testemunhas podem constatar quando vão ao “campo”.

Certa vez, pouco tempo antes de minha saída da organização, vi-me impelido a interromper por alguns minutos o serviço de casa em casa, para resumir os assuntos das revistas para o irmão que me acompanhava no trabalho, pois ele não lera nenhum dos artigos das revistas A Sentinela e Despertai! que levava consigo, e isso ficara claro logo no início do trabalho daquele dia. Todo ancião das Testemunhas sabe que isso é uma realidade. E isto apesar de tantas e tantas reuniões da Escola do Ministério Teocrático e as Reuniões de Serviço enfatizarem os métodos de pregação e o Corpo Governante insistir que todas as Testemunhas devem participar na obra de pregação de casa em casa. A verdade é que a maioria parece muito acomodada em apenas colocar revistas. É bem mais fácil do que empenhar-se numa palestra mais profunda em que muitas das crenças dos moradores serão provavelmente questionadas. Certamente que deixar um par de revistas (que muitas vezes nem são lidas) com alguém não é o mesmo que pregar “boas novas”, mas, assim mesmo, os que fazem apenas isso são contados como Testemunhas ativas no relatório mundial publicado todos os anos no Anuário das Testemunhas de Jeová.

  • A Pressão dos Relatórios de Serviço de Campo

Se alguém é Testemunha de Jeová “dedicada e batizada”, espera-se que, além de participar todos os meses no trabalho de casa em casa, ele entregue, no início de cada mês, uma folhinha de papel especial informando quantas horas dedicou ao serviço. Isto torna-se uma fonte de pressão não só para os encarregados de cobrar este relatório como para os “publicadores”, que se veem obrigados a entregá-lo.

Sobre isso, parece muito apropriado o que Paulo escreve em 2 Coríntios 9:7:

Faça cada um conforme tem resolvido no seu coração, não de modo ressentido, nem sob compulsão, pois Deus ama o dador animado.

Este versículo trata de contribuições, mas é inegável que o princípio expresso se aplica ao caso. Para muitas Testemunhas, a sensação é de que se está sob compulsão por alguém (o ancião, a organização, o parente, o amigo) para entregar um relatório dizendo se e quanto você trabalhou divulgando as “boas novas” da organização num determinado mês. Em que parte das Escrituras se manda que os cristãos informem quantas horas trabalharam na “pregação”? Cada um é incentivado a dar o que tem resolvido “no coração”, trata-se de algo íntimo entre a pessoa e Deus. Como admitir-se que fiscais humanos interponham-se nesta relação íntima? Como podem as pessoas dentro da organização das Testemunhas se sentir sob compulsão para dar algo que devia ser dado de modo animado, espontâneo, sem cobranças?

É óbvio que todo verdadeiro cristão se sente motivado a falar de sua fé com outros quando e como achar conveniente, mas o ensino bíblico não estabelece o mínimo de horas que se deve passar na pregação das boas novas e muito menos que se deve relatá-las mensalmente. Por que persiste o Corpo Governante em não deixar que cada um faça “conforme resolvido no coração” quanto a pregar estas “boas novas diferentes”, de que o Reino de Deus foi empossado nos céus exatamente em 1914? Por que não admite simplesmente que “cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus.”? (Romanos 14:12)

  • A Importância dos Números

A Sociedade, tradicionalmente, tem considerado o crescimento numérico como evidência de apoio e bênção divinos, de fato, como mais um sinal de que a organização dirigida por ela é a “única que Deus aprova”. Daí vem a importância capital de ostentar números sempre maiores de membros ativos (publicadores). O raciocínio é de que se há crescimento há a aprovação de Deus.

Que dizer, então, do período de 1976 a 1978, quando houve uma queda mundial no número de publicadores (causada pela decepção relativa ao ano de 1975)? Após um período de muitos anos de contínuo crescimento com um auge de 2.248.390 publicadores (Anuário de 1977, página 30) em 1976, houve uma redução para 2.182.341 em 1978 (Anuário de 1979, página 30).

Que dizer, também, da recente estagnação e até mesmo diminuição do número de publicadores em várias regiões da terra?

Como exemplo, por três anos consecutivos o crescimento das Testemunhas nos EUA vinha sendo zero. (Anuários 2000, 2001 e 2002, página 34) No Canadá, de 1998 a 2001, o número de publicadores caiu de 113.763 para 110.818. Em quinze países europeus o número de Testemunhas caiu, de 1997 a 2001, de 835.744 para 786.412. De 1999 a 2001, na Itália, caiu de 232.145 para 228.778. Em mais cinco países europeus, o relatório de 2001 mostra crescimento zero, ou seja, estagnação. No mesmo período, no Japão, caiu de 222.912 para 220.113. Em 2000 e 2001, na Austrália e na Nova Zelândia, os índices mostravam crescimento zero ou decréscimo. No mundo como um todo, as Testemunhas de Jeová cresceram 1,7 %, segundo o relatório de 2001, em comparação com um crescimento de 4,4 % em 1997.

Representam alguma coisa esses dados? Normalmente seriam apenas números, dos quais a verdade de Deus certamente não depende. Examinados, no entanto, do ponto de vista da Sociedade de que o crescimento indica a bênção de Jeová sobre a pregação das “verdadeiras boas novas” que ela promove, surgem algumas questões.

Deve-se entender que no período de 1976 a 1978 Jeová retirou a bênção da organização? Se o fez, por que o teria feito? Teria derramado de novo suas bênçãos quando ela voltou a crescer nos anos seguintes? E agora, o que estaria acontecendo? Teria retirado a bênção de suas supostas Testemunhas em regiões como os EUA, Europa Ocidental, Japão e Austrália mas abençoado ricamente as que vivem em regiões como a ex-União Soviética, África, América Latina e alguns países da Ásia? Se é assim, por que motivo, se as “boas novas” do Corpo Governante são exatamente as mesmas em toda parte? Como explicar que, em países como Arábia Saudita e Egito, onde as Testemunhas estão proscritas, por força da intolerância da religião muçulmana, as “boas novas” da Sociedade praticamente inexistam, se elas são, de fato, apoiadas por Jeová?

O mais recente relatório (referente a 2002) já aponta a volta do crescimento em alguns países onde tem havido decréscimo. E se este se mantiver nos próximos anos? Indicação de renovação da aprovação de Deus após um abandono temporário? Nada disso faz sentido. Os números, não só das Testemunhas de Jeová como de outras religiões, sobem e descem sob o efeito de circunstâncias diversas, históricas, políticas, econômicas e mesmo espirituais. O clima de tensão do pós-guerra e da “guerra fria,” por exemplo, alimentou os temores das pessoas e o crescimento de várias religiões, entre as quais a Sociedade Torre de Vigia, que acenavam com a iminência do “fim do mundo.” O relaxamento que se seguiu à queda do muro de Berlim em 1989 e ao fim da União Soviética em 1991, junto com o fim das expectativas ligadas à “geração de 1914” (1995) assinalou o movimento de queda nos países já mencionados.Da mesma forma, os recentes atentados terroristas nos Estados Unidos e outros lugares, a guerra no Afeganistão e as insistentes ameaças de uma nova guerra contra o Iraque com todas as conseqüências negativas, criaram um sentimento de tensão e medo na América do Norte e na Europa, favorecendo assim novos aumentos no rol de adeptos das Testemunhas. Desde a última década do século XX, por exemplo, devido à derrocada dos regimes comunistas nos países que formavam a Cortina de Ferro, todas as religiões (inclusive as Testemunhas) registram no momento um reerguimento com elevados índices de crescimento. Todas se aproveitaram do fim das restrições impostas à religião pelas autoridades ateístas.

Serve de exemplo o caso da ex-União Soviética, onde a obra das Testemunhas só foi liberada e legalmente estabelecida em 1991. O relatório de 1991 (Anuário de 1992) apontava a existência de 49.171 publicadores nos 15 países que dela faziam parte. Em 2001, estes países apresentavam 309.776 publicadores (Anuário de 2002), um aumento de 530 por cento num período de dez anos! Cresceu em apenas uma década tudo aquilo que não pôde crescer antes, devido às restrições governamentais.

Por que foi isso? Uma bênção especial de Deus para esta região, enquanto caía o número de Testemunhas leais dos outros países mencionados, que levam a mesma mensagem? Se o Deus da Bíblia apóia a obra de pregação das “boas novas” da Torre de Vigia, por que esta cresce em certos lugares ao passo que diminui em outros?

O fato é que toda a zona da ex-União Soviética passa há dez anos por um grande surto de aumento porque as circunstâncias mudadas, o novo clima de democracia e liberdade, favorece o progresso numérico de todas as organizações religiosas na região. O que o sobe e desce dos números realmente comprova é que nem o aumento nem o decréscimo do número de Testemunhas de Jeová (ou de qualquer outra religião) tem nada a ver com a bênção de Deus, diferente do que aconteceu com os cristãos do primeiro século. (Atos 2:40, 41, 47; 6:7, 12:24, 16:4, 19:20, 1 Cor. 3:7)

Por outro lado, como se explicaria, em todo o mundo, o fabuloso crescimento no número de membros hoje apresentado por organizações religiosas como as Assembleias de Deus (35.245.000), os Adventistas do Sétimo Dia (12.566.000) e os Mórmons (11.639.000), todos estes movimentos surgidos no século XIX, como a Torre de Vigia, com índices equivalentes e até superiores aos das Testemunhas?

Se crescimento numérico é evidência de bênção divina, significa isso que Jeová está concedendo sua aprovação simultaneamente à pregação das “boas novas” de todas estas organizações religiosas que se excluem e se condenam mutuamente?

A inevitável conclusão é que há muito que pensar no que se refere a aceitar as pretensões da Sociedade quanto a dirigir a única organização que Deus hoje aprova. Quanto aos ensinos pregados, quanto à eficácia e quanto à extensão, a pregação das “boas novas” de que tanto se jacta o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová deixa muito a desejar. Quem a analisar biblicamente, de modo isento e sem paixão, verá que não é por meio delas que se pode identificar a organização Torre de Vigia como a única adoração verdadeira da terra.