Sobre as Testemunhas de Jeová
Audiências Judicativas – Cid Miranda
Audiências Judicativas – Cid Miranda

Audiências Judicativas – Cid Miranda

Copyright © 2000 Cid Miranda

Atualizado em 01/11/2020

O livro bíblico de Tiago (5:16) nos declara:

“…Confessai ABERTAMENTE os vossos pecados uns aos outros…” (TNM)

Esse texto bíblico opõe-se à prática comum de certas religiões que exigem que seus adeptos relatem seus pecados a pastores encarregados do rebanho, de forma privativa, secreta.

“Privativa”? “Secreta”?

Isso pode soar estranho para algumas pessoas mas é exatamente o que ocorre, por exemplo, aos membros “transgressores” da organização Torre de Vigia, as Testemunhas de Jeová. Elas apelidaram seus confessionários de “audiências judicativas” e quando um membro batizado incorre em erro sério, há então um “caso de comissão judicativa”, um tribunal humano paralelo que julga os membros transgressores de regras bíblicas ou normas da organização TJ. Três anciãos [dirigentes locais] que, na maioria dos casos, pertencem à mesma congregação desse membro ‘infrator’, se auto-revestem de autoridade e então convocam o transgressor para um julgamento no qual será decidida a permanência dele como “membro aprovado” da organização ou se haverá expulsão, desassociação.

O que causa essa situação? Que procedimentos são adotados?

Quando há “casos de comissão” – fumar, fornicar, receber sangue por meio de uma transfusão (de modo voluntário), fazer juramento à bandeira nacional, comemorar o Natal, Halloween (e outras festividades “pagãs”), prática do espiritismo, adultério, empenhar-se em conduta (sexual) desenfreada, “apostatar”, dentre muitos outros, três homens da dianteira de determinada congregação, juntam-se para uma sessão (ou sessões) de julgamento a portas fechadas com o irmão transgressor (pecador). Em casos considerados muito “complexos”, até 4 ou 5 anciãos podem ser convocados (livro dos anciãos abreviado por “KS” -1991 página 109, parágrafo 9 – assunto tratado igualmente na nova versão do KS).

As várias instruções sobre os inúmeros casos que devem ser levados a uma audiência judicativa são dadas no manual “secreto” dos anciãos (dirigentes locais) intitulado: “Prestai Atenção a Vós Mesmos e a Todo o Rebanho” (KS – 1991), páginas 92 a 102.

Um dos avisos que se dá na página 101, parágrafo 2 deste manual é: “Antes de iniciar uma audiência judicativa, os anciãos designados para servir na comissão judicativa devem recapitular as orientações delineadas nas Unidades 5(a), 5(b) e 5(c) – (que tratam de tais comissões), bem como examinar textos bíblicos e referências pertinentes nas publicações da Sociedade. Devem certificar-se de proceder em harmonia com as informações atuais publicadas em ‘A Sentinela’ e nas cartas da Sociedade.”

E quais são os objetivos de tais tribunais humanos que determinam se a Testemunha de Jeová infratora merecerá (ou não) a expulsão da organização religiosa Torre de Vigia, ficando assim sujeita a uma total e completa exclusão sócio-religiosa? Manter o ambiente esterilizado, “diferente das outras religiões (falsas) que são permissivas”, “evitar que outros sejam contaminados pela influência perniciosa”, “manter a unidade”, etc.

Como os dirigentes das Testemunhas de Jeová justificam tais atos de julgamento, castigo e banimento de transgressores impenitentes ou simplesmente resistentes aos ensinos da organização?

A organização das Testemunhas de Jeová, na revista “Despertai!” de 22 de dezembro de 1981, página 17, mostra que havia alguns tipos de julgamentos de pessoas no antigo Israel de Deus, Sua Nação Santa. Decerto, a Bíblia fala de tais julgamentos (Deuteronômio 16:18-20 e Êxodo 18:25, 26) e também mostra que havia juízes autorizados por Deus, devidamente capacitados e sob Sua designação divina. Afinal de contas, é mostrado na Bíblia que Ele, Deus, é quem dirigia aquele povo “diretamente”.

Temos hoje em dia tal arranjo dirigido “diretamente” por Deus? Não. Mas as Testemunhas de Jeová acreditam que todas as instruções dos atuais membros (ano de 2020) do Corpo Governante nos EUA têm “orientação divina” e, como conseqüência dessa crença, muitas delas permitem que sua privacidade e vida íntima sejam devassadas por meio deste “arranjo teocrático” de audiências judicativas. O mito de que estão servindo aos interesses do Reino de Deus por se confessarem diante de seus dirigentes mostram, no entanto, resultados que estão longe da aprovação divina. De que resultados estamos tratando aqui? Vejamos…

Muitas Testemunhas de Jeová têm vez após vez descoberto que se tornam VÍTIMAS de suas próprias confissões abertas, nesses arranjos de comissões judicativas considerados por elas como “arranjos amorosamente providos pela direção teocrática” da organização de Deus, a Torre de Vigia.

Vítimas? Como assim?

Vítimas, por exemplo, da constante quebra de sigilo por parte daqueles a quem elas confiaram seus “pecados secretos, ocultos”. Também, vítimas de evasão (in)voluntária de sua vida pessoal e de seus segredos que, muitas vezes, são explorados e espalhados de forma vergonhosa através de “tagarelice maldosa” (é assim que as próprias TJ chamam as fofocas dos companheiros de crença) dentro e além das portas dos Salões do Reino das Testemunhas de Jeová.

Não precisamos citar exemplos. Esse é um fato que as Testemunhas podem constatar facilmente em suas congregações!

“Imperfeição dos irmãos”, é o chavão dos apoiadores desse “arranjo teocrático” de confissões.

Imperfeição ou não, o fato é que sempre há pessoas que derivam prazer mórbido das tagarelices sobre os erros e pecados alheios sem o menor escrúpulo, a ponto de manchar permanentemente o nome e reputação de pessoas que, pasme o leitor, professam a mesmíssima fé e alegam ostentar “o sinal identificador do verdadeiro cristianismo, O AMOR”.

É claro que apenas falar da vida alheia é uma tendência muito comum e por que não dizer, quase inerente ao ser humano. Afinal de contas, “todo mundo fala de todo mundo”, diz um adágio popular que parece ter bastante fundamento. A prova disso é a grande vendagem dos tablóides e revistas de fuxicos sensacionalistas que satisfazem a voraz curiosidade de alguns pela vida particular de seus semelhantes.

Ora, ser curioso é admitidamente humano, convenhamos. Em nossa interação social diária é natural que nos interessemos uns pelos outros. O planeta está repleto de seres gregários que adoram viver em comunidades e apreciam associar-se (principalmente com os seus iguais). Quase todos têm uma intrínseca necessidade de conviver em grupos distintos e específicos, quase sempre mostrando curiosidade uns pelos outros. Contudo, no caso das Testemunhas de Jeová, há razões adicionais que envolvem componentes religiosos e que vão bem além da mera curiosidade humana. Estes, por sua vez, fornecem o combustível dos embaraçosos escrutínios da vida privada de co-associados. Apenas quando compreendemos tais razões e componentes, podemos descobrir o porquê da existência desse fenômeno chocante, as comissões judicativas das Testemunhas de Jeová.

Nesse ponto, torna-se necessário que analisemos alguns perfis comportamentais antes de entrarmos diretamente na questão das comissões judicativas…

As pessoas hoje em dia, e em especial aquelas exacerbadamente religiosas, são as que mais demonstram maior necessidade de convívio social-religioso pois prega-se que dele emanam encorajamento e edificação espirituais. Essas pessoas se acostumam com os amigos de sua congregação – seus “iguais” – e apreciam ouvir o que acham vir da segura “fonte divina”, o canal que elegeram como o único legítimo e aprovado por Deus. A maioria se acha parte de um “rebanho especialmente escolhido por Deus” e essa atitude fatalmente as leva, muitas vezes, a um processo de total (raramente parcial) exclusão social – as pessoas de fora não são “boa associação”.

De que fontes se originam tais sentimentos de supremacia religiosa? Como reagem as Testemunhas, por exemplo, diante de situações sociais normais com as outras pessoas rotuladas de “incrédulas”, “infiéis”, “do mundo”, “ímpias”, etc?

Às vezes, observamos pessoas religiosas evitarem achegar-se ao resto da humanidade ou restringirem suas amizades aos círculos aparentemente “seguros” de suas religiões. Por que isso ocorre?

Bem, muitos religiosos tendem a julgar que o resto da humanidade se encontra “alheada de Deus” e possivelmente “condenada à destruição eterna por Ele”, caso não adiram velozmente à “Verdade” que pregam.

Tais grupos “especiais” de seres humanos, julgando pertencer a uma casta religiosa superior, tendem a se alienar do mundo externo, ‘condenado’. Elas se confinam a massas apocalípticas que exploram sentimentos infundados de culpa, geralmente criados por suas religiões. Suas consciências são sequestradas por padrões impostos de sua religião. A liberdade cristã individual, orientada sabiamente pelos elevados princípios CLAROS da Palavra de Deus, a Bíblia, são substituídas por regras humanas. O QUE fazer, COMO fazer isso ou aquilo, QUANDO fazer isso ou aquilo, e assim por diante, dependerão do apego ao código extra-bíblico de leis da organização religiosa. Conheci casais Testemunhas de Jeová que chegavam a escrever para a Sociedade Torre de Vigia a fim de perguntar até mesmo se determinado tipo de relação sexual seria “aprovada” por Deus ou não.

Muitas Testemunhas parecem querer estar sempre sob o manto protetor daqueles que sustentam a luminosa “aura de pureza”, os presenteados com a etiqueta de “aprovados”. Daí, no desejo de também receberem esse selo máximo, lutam para entrar nos moldes do restante do grupo que “teocraticamente” se sujeita às diretrizes da autoridade eclesiástica de Warwick, EUA, o Corpo Governante (até essa data de 01/11/2020, 8 senhores idosos) das Testemunhas de Jeová.

Sujeitar-se ao Corpo Governante é comprar um pacote de ensinamentos que inclui a “disciplina da parte de Jeová”. Também, jamais duvidar que o “povo santo de Deus” deve falar apenas uma língua, a “língua pura” (e por “língua pura” entende-se a padronização mundial dos ensinos, doutrinas e dogmas das Testemunhas).

Essa mentalidade de exclusivismo teológico das Testemunhas de Jeová também se hospeda em outros grupos religiosos fundamentalistas como os Mórmons e os Adventistas, embora tal interpretação exista em detrimento daquilo que a Palavra de Deus assevera ao mostrar que Cristo “morreu por todos” os homens (1 Tim 2:6), não apenas por um grupo seleto de pessoas. (Veja Atos 10:34-35)

Mas essa famosa síndrome do ‘rebanho especial de Deus’, escolhido para sobreviver ao Armagedom, emerge do condicionamento psicológico que uma pessoa desenvolve ao se integrar à uma bolha social-religiosa, hermeticamente fechada, “seleta”, que acredita deter o favor de Deus, diferentemente do restante da humanidade. Nas congregações das Testemunhas de Jeová, esse tipo de sociopatia está cristalizada e fica bastante evidente desde os primeiros contatos com o grupo. Os conceitos e as crenças fabricadas para que cada Testemunha de Jeová se sinta “especial e diferente” do resto do mundo têm sido cuidadosamente trabalhadas e implantadas na mente de cada uma delas.

A aplicação banalizada e generalizada de João 17:16 as torna apáticas em relação a fazer “amigos de fora” e isso provoca maior apego às diretrizes da organização e, conseqüentemente, maior confinamento religioso. O lema “Não Há Vida Fora da Organização” é muito comum entre as Testemunhas de Jeová e, portanto, a maioria das Testemunhas de Jeová não se interessa muito por uma “associação mundana”, a menos que a pessoa se mostre pelo menos um pouco interessada naquilo que ela, Testemunha, considera como “alimento espiritual” supostamente vindo da Bíblia. Uma pessoa simpatizante é jeitosamente tratada como alguém “semelhante a ovelha”, alguém com boa possibilidade de vir a ser uma Testemunha de Jeová.

Mas como se relaciona tudo isso até aqui com as confissões em audiências judicativas? Onde se encaixa toda essa análise nessa questão? Ora, é simples. Tudo que analisamos até agora faz parte do processo engenhosamente confeccionado que move uma Testemunha de Jeová a expor seus pecados e sua vida íntima aos homens da dianteira de sua tão pura e especial congregação. Afinal de contas, na cabeça de uma Testemunha, revelar pecados ocultos traz múltiplas vantagens: não bloqueará a ação do espírito santo de Deus na congregação; permitirá que homens habilitados, “amorosos” e fiéis continuem a manter a “pureza do povo de Deus”; dar-se-á à Testemunha transgressora, uma excelente oportunidade de mostrar humildade, sujeição aos arranjos teocráticos e à “disciplina da parte de Jeová”; e, se ela realmente fôr fiel, poderá ser perdoada quiçá garantindo sua passagem para o vindouro paraíso de delícias prometido na Palavra de Deus…

Essa é apenas uma das múltiplas facetas e configurações das comissões de julgamento da Torre de Vigia.

Enquanto em algumas outras religiões organizadas, as pessoas recorrem a seus pastores em busca de orientação e conselhos quando erram, nos Salões do Reino as Testemunhas são induzidas, obrigadas, sim, por que não dizer psicologicamente coagidas a confessar seus pecados diante de COMISSÕES JUDICATIVAS a portas fechadas, sob o pretexto intimidatório de que se não o fizerem com urgência (porque o fator tempo pode depor contra o transgressor – KS – 1991, pág. 115), sofrerão dolorosas conseqüências e poderão perder tudo, neste caso, as “associações cristãs”, a aprovação dos outros membros (os únicos amigos verdadeiros e confiáveis), a aprovação de Jeová Deus, etc.

Conforme podemos perceber, tudo isso conspira contra a liberdade cristã e por isso mesmo a Testemunha de Jeová (fiel à organização) não acha outra saída senão a penosa confissão.

Percebe o leitor toda a relação de dependência em cada componente que analisamos até aqui?

Essas ameaças veladas são extraídas do “livro dos anciãos” (provido apenas a esses dirigentes locais) e são muitíssimo severas. Por que isso?

“A pureza da congregação deve ser mantida para que nossa organização não se torne igual às outras religiões permissivas da cristandade”. Essa é a crença calcificada e para que tudo isso ocorra sempre assim, todo e qualquer esforço vale a pena.

Todavia, penso que os homens que usam esse referido manual estão, em sua grande e esmagadora maioria, despreparados para “cuidar” de casos que vão além dos meros diagnósticos de rotina como “doença espiritual”, “fraqueza da carne”, “iniquidade”, “falta de humildade”, etc.

Nunca fui réu em uma audiência judicativa. Era sempre juiz de meus irmãos e isso hoje muito me envergonha. A alguns deles eu fiz questão de pedir pessoalmente perdão. Como ancião, cheguei a me questionar várias vezes sobre os fatores emocionais e psicológicos que deixavam de ser cuidados ou sequer considerados em tais comissões. Muitos transcendiam e requeriam muito mais do que a disciplina ministrada, ou “ajuda espiritual” disponibilizada através de nós, pastores. Só hoje me dou conta do quanto éramos desconhecedores da delicadeza e complexidade de áreas melindrosas da psique humana. Não me parece ético relatar casos. Não o farei. Quando me recordo de alguns, eles me parecem bastante surrealistas, mas isso é tudo que posso dizer.

Quantas vezes as comissões judicativas falhavam em ajudar um tipo de ovelha que estava à beira do pânico, do suicídio e do desespero, comumente gerados por razões especiais fora de nossa esfera de conhecimento, compreensão, poder – algo simplesmente fora do alcance da religião.

Comissões judicativas! Ordálio de anciãos-juízes e calvário de muitos réus Testemunhas de Jeová — uma perigosa aventura pseudo-forense repleta de sérios riscos para ambos os lados envolvidos, réus e juízes. (Mateus 7:1-2 e Lucas 6:37)

Anciãos mais experientes e discernidores concordariam que há inúmeros casos que deveriam ser tratados por especialistas e profissionais do ramo da psicologia e às vezes da psiquiatria, dentre outros.

No entanto, o uso generalizado das comissões judicativas para resolver “pecados graves” na comunidade mundial das Testemunhas, é um fato aceito como obrigação ou dever teocrático.

Houve épocas nas quais o incentivo da Sociedade quanto a se resolver problemas mentais e emocionais era o de não se procurar ajuda médica especializada, como está escrito na revista “Despertai!” de 08/10/75 – Artigo: “O Melhor Meio de Recuperar a Saúde Mental” no sub-tópico “Habilitados a Ajudar”, página 21:

“Muitos anciãos cristãos das Testemunhas de Jeová estão BEM habilitados a ajudar os mental ou emocionalmente enfermos…”

E a revista “Despertai!” de 22/12/75, página 27:

“…ao invés de se voltarem para os psiquiatras e psicólogos que, igualmente, na sua maior parte, não possuem tal fé, que os que amam a justiça se voltem para a Bíblia em busca de sabedoria…”

Não parecem esses artigos bastante questionáveis?

No entanto, surpreendentemente, essa mesmíssima atitude continua fazendo parte da vida de muitas Testemunhas de Jeová desinformadas que dizem:

“Mas a Bíblia deveria realmente ser um guia suficiente para todo problema na vida de um verdadeiro cristão”. Os mais afoitos e crédulos endossam tal perspectiva sem levar em conta dezenas de fatores, transformando a Bíblia numa panaceia. Isso pode ser fatal pois há casos que requerem cuidados de profissionais especializados. São aqueles de natureza complexa quer em sentido físico, emocional ou mental. Muitas dessas pessoas convocadas para uma comissão judicativa deveriam ser transformadas em PACIENTES aos cuidados de especialistas capacitados ao invés de RÉUS de comissões judicativas.

Não é à toa que alguns sites da internet alertam para o perigo da falta de tratamento adequado que já fez vítimas fatais, não só nas questões de saúde ligadas à proibição de transfusões de sangue, como algumas após tais comissões.

Durante os anos em que agi como juiz em comissões judicativas, pude observar que as Testemunhas de Jeová chamadas para julgamento, às vezes chegavam à beira de um colapso nervoso comumente temperado com angústia e depressão. Havia intensa ansiedade e medo de um resultado adverso no julgamento. Para essas pessoas, as comissões judicativas tornavam-se iguais às torturantes e desumanizantes câmaras de confissão da inquisição da idade média.

A organização instrumentaliza homens com um tão requintado aparato de normas para serem aplicadas em casos sem precedentes no cristianismo bíblico que, às vezes, eles mesmos sentem receios de participar de certos julgamentos em situações complexas que esporadicamente e inevitavelmente surgem em suas congregações.

Provê a Bíblia um modelo de julgamento de pessoas em comissões judicativas tal como esse adotado pela Sociedade Torre de Vigia?

Na Bíblia, NÃO há precedentes de comissões judicativas desse tipo, nem de homens autorizados a “cuidar” de seus semelhantes através deste modelo tirano de tribunais humanos arbitrários.

E o que fazem esses juízes incontáveis vezes? Devassam a vida íntima e pessoal de “concristãos”, muitas vezes jogando a dignidade de seus irmãos de fé no lixo ao passo que violam e rasgam a consciência de co-associados em prol da manutenção de uma total conformidade de grupo.

Diante desse quadro, uma das conclusões razoáveis a que se chega é: esses despóticos tribunais fabricados por homens, e não por Deus, desonram a Ele pelo que são e por todo o mal que fazem às pessoas.

Se alguém consegue ver alguma medida de mérito e sucesso em se ajudar alguns desse modo, basta que reflita no desespero emocional do envolvido e o que Jeová e Cristo realmente pensam sobre isso. Fazer tal exercício mental nos ajuda a “desautorizar” essas comissões. Ademais, até nas cortes do mundo os réus têm direito a advogados qualificados que possam falar por eles tendo em vista que, em momentos emocionalmente difíceis, o raciocínio fica gravemente anuviado, lento e às vezes distorcido.

O pior é que, quando uma ovelha transgressora confessa seus pecados a tais “amorosos juízes” e esses “amorosos juízes” então repassam as humilhantes confidências íntimas do réu aos curiosos de plantão, a tagarelice generalizada, os boatos mordazes, destrutivos e maldosos viajam de uma congregação a outra velozmente, com dimensões bem maiores e em versões muito “apimentadas”.

E qual o efeito disso na vida particular de um irmão?

Bem, geralmente ele poderá levar o açoite dos falatórios pelo resto de seus dias; o pesar e os transtornos cíclicos podem continuar indefinida e permanentemente.

Para tristeza de muitos, esse pode ser o preço pago pela sincera obediência às normas de uma organização autoritária que exerce o poder forense, judicial sobre seus membros.

E o que a organização realmente consegue através de sua maquinaria judicativa? Um enorme desserviço a ela mesma, um grande descrédito no amor pregado por ela como “sinal identificador dos verdadeiros cristãos”.

E o que dizer dos casos revelados a outrem, curiosos de fora das comissões?

Na verdade, os casos revelados motivam cada vez mais artigos em “A Sentinela” e “Despertai!” que trazem receitas de “Como Evitar Ter Dupla Personalidade”, “Como Viver apenas para ‘Jeová'” (leia-se “organização”), etc.

E o efeito de tais artigos, na maioria das vezes?

1. Dão vazão ao uso abusivo, indiscriminado e deturpado de textos bíblicos sobre confissões íntimas;

2. Levam mais anciãos às sessões de contos eróticos detalhados dos pecadores;

3. Provocam a abertura de mais e mais “cartões de desassociação” (S-77-T e S-79-T, enviados às sedes nacionais das Testemunhas) – a pessoa fica “fichada”;

4. Mais fofocas percorrem meio mundo, fragmentando ou destruindo o nome de alguém que, por ser sincero, sacrifica sua dignidade no altar da santimoniosidade de homens que buscam, antes de tudo, a tal “limpeza da organização de Deus”.

Agora, será que as comissões judicativas conseguem mesmo manter as rédeas curtas e controlar pessoas? Adicionalmente, até que ponto está “limpa” a organização?

Antes de se analisar essa questão, é bom saber que as Testemunhas de Jeová muitas vezes despercebem que os escândalos contados assim “aos sussurros” são tão profundos em gravidade, tamanho e proporcional quantidade como os casos relatados em artigos de “A Sentinela” e “Despertai!” que alardeiam os erros dos pastores de outras denominações religiosas.

Sim, proporcionalmente, em relação a atos de conduta, a organização das Testemunhas de Jeová é tão “pura” quanto qualquer outra religião organizada severa como os citados anteriormente, Mórmons e Adventistas.

Mas como veem as Testemunhas de Jeová todo esse processo de confissões a portas fechadas a homens especialmente designados para julgá-las? Como encaram as Testemunhas de Jeová outros confessionários como os dos católicos e outros?

Algo até meio tragicômico é que a Sociedade programa as Testemunhas de Jeová a NUNCA falarem mal desse arranjo dela, embora os seus membros condenem os confessionários da Igreja Católica, por exemplo.

Paradoxalmente, embora as próprias Testemunhas de Jeová creiam que haja “apenas um só MEDIADOR entre Deus e os homens” (1Tim 5:2), estranhamente se sujeitam a esse tipo de interferência na qual permitem que alguns homens possam se interpor entre elas e Deus.

Os homens podem errar e ser julgados pela organização para que ela se mantenha sempre “limpa”. E a organização? Qual o exemplo que ela dá nesse sentido? Permite ser julgada ou receber o escrutínio de seus membros mais zelosos e fiéis? O que dizer dos graves erros cometidos por ela?

Bem, primeiramente, esses erros não devem aparecer a ninguém de fora. E, se possível, até mesmo os erros de pessoas individuais devem ser escondidos aos de fora para que “não se cause vitupério a ELA, Organização de Deus”.

Mas como “erros da Torre de Vigia”? Ora, os erros são sempre atribuídos a “irmãos descuidados, imperfeitos e pecadores”, nunca à organização, pois organização é um “conceito abstrato”.

Esse método de esconder ou branquear erros aumenta grandemente a glorificação e vindicação dela como “organização pura”, cheia de membros que são “melhores pais”, “melhores amigos”, “melhores pessoas”, etc.

Um fato notório é que a Torre de Vigia tem feito que se acredite que, pessoas desassociadas por ela, e que saem revelando coisas vergonhosas como essa, pareçam estar simplesmente “VITUPERANDO O NOME DE DEUS”. Desse modo, ela se protege e permanece intocável e pura aos olhos tanto dos de dentro quanto dos de fora.

Redundando, ao associar sua estrutura organizacional ao nome de Deus, Jeová, ela faz com que seus membros sintam enorme pavor de falar sobre qualquer coisa negativa encontrada nela.

Por causa disso, em muitos artigos da literatura da organização, um exercício mental que recomendei a algumas Testemunhas foi o de trocar o nome “Jeová” por “Organização”. Ela usa subliminarmente essa falsa sinonímia com o intuito de varrer a poeira para debaixo do tapete.

Com que propósito?

Mais uma vez, nenhuma Testemunha ousará falar da organização com medo de estar falando contra o próprio Deus!

Enquanto isso acontece, a organização jubila ao expor os podres de seus vizinhos que também têm telhados de vidro.

Se aqueles que saírem, cansados de serem vítimas gratuitas das elucubrações do falecido oráculo da organização, Frederick Franz (que criou a desassociação), falarem do que viram ali dentro, serão logo taxados (e isso, inescrupulosamente pelos microcosmos da organização, os “anciãos”) de “antiéticos”, “agentes de Satanás”, “apóstatas”, “anátemas”, “odiadores do povo de Deus”, “raivosos”, “homens que cospem no prato em que comeram”, etc.

Não se lembrarão os irmãos nem a Sociedade que essas mesmíssimas pessoas, agora transformadas em párias, gastaram muitas vezes os seus mais dourados anos de vida a propagar as coisas errôneas que ELA ensinou como geração de 1914, política sobre frações de sangue – liberadas e proibidas tantas vezes -, serviço civil alternativo, transplantes de órgãos, proibição de vacinas, datas “proféticas”, aplicações e entendimentos errados em relação a profecias bíblicas como a do Rei do Norte e o Rei do Sul, e tantas outras coisas que criaram tantos mitos, tantas expectativas equivocadas e até fatais em nome de uma organização que alavanca a “momentosa” obra de pregação etiquetada como “designada por Jeová, no tempo do fim”.

Suscito a hipótese de que, por causa do mal causado por comissões judicativas, pelo legalismo religioso, etc, alguns membros têm escondido seus pecados, deixando simplesmente para “acertar as contas com Jeová no dia de Seu julgamento”.

Isso tem gerado outro mal inevitável que também advém de métodos de espezinhamento de sentimentos humanos: a corrupção e hipocrisia religiosas. Eis aí o porquê de algumas Testemunhas terem se reportado à “sensação de que alguns no salão do Reino pareciam às vezes estar usando máscaras”.

É bem verdade que uma grande parte da humanidade tende a usar e abusar de “máscaras”. Ninguém gosta de se expor. Isso é, de certo modo, compreensível, mas só até certo ponto.

Ultimamente, as comissões judicativas têm se tornado mais um dos motivos da grande evasão das fileiras das Testemunhas.

Perda de membros e revolução interna. Isso é o que acontece quando uma religião ordena que seus adeptos confessem seus pecados a homens despreparados para interferir em assuntos pessoais que só dizem respeito a eles mesmos e Deus.

Isso é o que ocorre quando uma religião alega estar usando a “orientação do espírito santo de Deus” e submete seus membros a confissões de seus mais íntimos segredos aos representantes oficiais dela, quase sempre desqualificados e alguns tagarelas.

Pode-se constatar uma crescente, silenciosa e significativa cumplicidade por parte de alguns membros que, ao tomarem conhecimento de erros graves uns dos outros, preferem não mais relatar aos dirigentes locais. Essa atitude de desobediência interna cada vez maior, fere a ordem da organização de se relatar qualquer pecado sério do próximo.

No caso de uma Testemunha presenciar ou vir a saber do erro (como os citados no início dessa página) de um co-associado, ela deverá relatá-lo para os anciãos, mesmo que a pessoa envolvida seja o melhor amigo. Caso não siga esse proceder, tal testemunha omissa será acusada de cumplicidade. Nestes casos, a organização lança mão do texto de Levítico 5:1 sob pena de, se a testemunha não delatar seu companheiro a tempo, deverá sofrer as mesmas terríveis implicações que o transgressor direto.


  • Ao analisar o conteúdo de toda essa matéria, pergunte-se leitor:

1. Há algo de bom no medo opressivo de se ver sozinho, de repente, após um interrogatório rigoroso que culmine na desassociação, no isolamento social e no absoluto desprezo de seus anteriores amigos? Há algo de louvável nas táticas intimidatórias austeras de se perder amigos e até familiares depois de uma comissão judicativa na qual se chega a conclusão de que o transgressor é impenitente e deve ser cortado da associação “cristã”?

2. Há algum mérito em se induzir alguém a mitigar sua índole, seu caráter ou sua consciência perante Deus para se moldar à conformidade de um grupo como ocorre quando há a acusação de “apostasia”?

3. Ao se observar os efeitos que a constante vigilância de um grupo produz na vida de alguém, não notamos que tal vigilância provoca as mais aflitivas psicoses de se estar sempre sendo policiado e sob os constantes, desconfortáveis e reprovadores olhares de homens da dianteira?

4. É razoável a alegativa de que tal policiamento poderá fazer o cristão se sentir “protegido”, como a Sociedade quer fazer crer? Não torna tudo isso uma Testemunha de Jeová, igual a um bebê espiritual que precisa de outros que cuidem de sua relação pessoal com Deus, que só caberia à própria pessoa cuidar?

5. Não coíbe essa eterna ameaça de comissões judicativas o uso das “faculdades para se discernir tanto o certo quanto o errado” como diz a Bíblia? (Hebreus 5:11-14)

6. Não produz tudo isso, muito mais aflição nas mentes e corações dos mais sensíveis?

7. Novamente, que mérito pode haver em se submeter alguém ao jugo terrorista de se abdicar de sua própria consciência e entregá-la a um consciente coletivo?

8. Mais importante ainda, onde se diz na Bíblia que os cristãos deveriam, no que se refere aos seus pecados, proceder passo a passo como delineado no caso de uma comissão judicativa, chegando o réu a dar detalhes íntimos embaraçosos como “quando fez, se houve toque ou carícias em áreas erógenas, se houve penetração, se houve orgasmo, onde se fez isso ou aquilo, durante quanto tempo continuou-se no pecado, se o pecado foi voluntário, se a pessoa faria de novo, se ela aceita a ‘repreensão pública’ (que será dada da tribuna) e a imediata ‘perda de todos os privilégios’ como ‘disciplina da parte de Jeová’, etc?

9. Onde manda a Bíblia que se descreva o pecado (às vezes com riqueza de detalhes) em pedaços de papel (formulários S-77-T e S-79-T que às vezes seguem junto com uma carta descritiva adicional) que são guardados como arquivo tanto na congregação local como na sede nacional da organização, como se a pessoa depois do julgamento, necessariamente passasse a merecer essa ficha “policial”?

10. Onde fica a questão dos direitos humanos dados pela constituição do país?

Em conclusão, lembro as palavras de Paulo a todo cristão que estiver lendo agora essa página:

“Ora, para mim é um assunto muito trivial o de eu ser examinado por vós ou por um tribunal humano. Até mesmo eu não me examino a mim mesmo. Pois não estou cônscio de nada contra mim mesmo. Contudo, não é por isso que eu seja mostrado justo, mas quem me examina é Jeová.” (1 Coríntios 4:4, 5 Tradução do Novo Mundo)