Sobre as Testemunhas de Jeová
Há Vida Fora da Organização? Cid Miranda
Há Vida Fora da Organização? Cid Miranda

Há Vida Fora da Organização? Cid Miranda

Copyright © 2001 Cid Miranda

Atualizado 2021

“Lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles; dos que estão sendo maltratados, como se vocês mesmos estivessem sofrendo no corpo”. (Hebreus 13:3, “Nova Versão Internacional”)


No filme “Um Sonho de Liberdade” (título original em inglês: “The Shawshank Redemption”), um prisioneiro que recebe livramento após prolongado período de encarceramento, termina por enforcar-se quando descobre que não mais consegue se reintegrar à sociedade e viver normalmente fora do presídio. Antes do suicídio, porém, ele havia conseguido um emprego e tentara refazer sua vida, mesmo depois de tê-la gasto quase toda numa prisão e se encontrar em idade avançada. Contudo, de acordo com a definição de um dos personagens do próprio filme, “ele havia se institucionalizado” e por causa disso, não resistira à vida fora das paredes daquele que fôra seu único lar por tanto tempo. Os referenciais e identidade dele haviam ficado naquele lugar. Sair de lá o deixara à deriva e completamente perdido.

Isso aconteceu em um filme, mas a arte imita a vida de muitas maneiras.

  • Alcatraz, uma prisão de segurança máxima. Fugir daqui significou morte certa para muitos prisioneiros.

  • Torre de Vigia em Warwick, NY, EUA. Sair da organização da Torre de Vigia – o que significa sair da Torre para as Testemunhas de Jeová?

As Testemunhas de Jeová declaram que “sair da organização significa morte espiritual e futuramente a morte física pois não há vida fora da organização”. Ora, se isso fosse verdade, então fazer parte dessa organização não seria apenas uma opção religiosa mas uma prisão perpétua de “segurança máxima” da qual sair também significaria destruição garantida!

Porém, quão verdadeira é essa afirmativa? Qual a base bíblica para tal alegação? Existe vida fora da organização das Testemunhas de Jeová? Podem as Testemunhas de Jeová sair de sua organização e continuar vivendo bem no presente, mantendo a perspectiva de uma vida futura melhor?

A leitura a seguir poderá ser de proveito para muitas pessoas envolvidas com essa organização.

  • Perspectivas

Quando uma pessoa devota muito tempo de sua existência – às vezes seus mais preciosos anos – e renuncia a todos os outros alvos na vida e toda a sua perspectiva futura em prol de um único objetivo, pode estar se expondo ao risco de um colapso fatal caso o objeto de sua luta e de sua devoção perca repentinamente o valor.

Mundo afora, amontoam-se cenas de infelicidade geradas por repentinas mudanças de perspectivas ou a perda do objetivo na vida. É amplamente sabido que coisas assim ocorrem com:

– Pessoas que por longos anos deram dedicação integral a uma empresa, fizeram disso sua razão de viver e mais tarde perderam seus empregos de uma hora para outra, ou viram o valor de todo o seu empenho e trabalho sem nenhuma importância, reconhecimento ou utilidade;

– Alguém que sofreu uma grande desilusão amorosa ou rompeu um relacionamento antigo no qual havia apostado toda a sua felicidade;

– Pessoas imersas em dívidas oriundas de um estilo de vida ou, quem sabe, de um empreendimento no qual investiram demais;

– Pessoas mergulhadas em crises existenciais profundas causadas por orientações espirituais que eram tudo para elas mas que, com o passar do tempo, provaram-se vazias ou fúteis, etc;

Ou seja, a infelicidade pode bater à porta de qualquer pessoa que apostou demasiadamente em alguma coisa de natureza efêmera, transitória, passageira, de natureza inconstante, frágil. Pode sobrevir a alguém que sofreu bruscamente excruciante desengano, insuportável desapontamento ou humilhante derrota. Obviamente, a lista pode ser infindável se certas fatalidades terríveis, como por exemplo, a perda de um ente querido, fossem incluídas nesse tema. Contudo, essas não estarão relacionadas com a questão tratada nessa página. Estamos considerando apenas aqueles casos lamentáveis que podem ser produtos de perspectivas irrealísticas, paradigmas limitadores da vida ou crenças equivocadas e muito enraizadas que levam a pungentes desapontamentos. Tratamos aqui dos conflitos que são simples resultados de esperanças vãs nutridas por anos a fio e que se consolidaram porque a pessoa envolvida nunca quis fazer mudanças ou ajustes significativos em sua vida. E talvez muitos não os tenham feito por temer o confronto com uma realidade mais dura.

Mas NÃO viver de ilusões, confrontar-se com a realidade e fazer mudanças são processos naturais e inerentes à jornada da vida. O que ocorre é que nem sempre estamos realmente preparados para mudar o destino de nossas vidas. Por essa razão, às vezes nos tornamos presas fáceis das armadilhas sutis de esquemas bem elaborados. Esses esquemas vêm quer do mundo externo que nos cerca, quer do mundo que criamos para nós mesmos – nossas prisões íntimas de segurança máxima.

Em se tratando das Testemunhas de Jeová, muitas delas acham mais confortável continuar presas às orientações e ensinos de seu Corpo Governante em Warwick, Nova Iorque, e nunca questionam o que aqueles homens lhes determinam como “ensino divino”. Para elas, nada deve ser alterado em relação ao estilo uniforme de pensar e agir em suas fileiras. Pensam manter uma “marcha alinhada”. Esse é um comportamento normativo entre as Testemunhas mas há exceções e essas exceções crescem vertiginosamente. No entanto, ainda é a maioria delas que realmente não se importa em analisar mais profundamente O QUE as leva a se amordaçarem e se conformarem com o rígido padrão estabelecido por esse “Corpo Governante” que, de fato, as tem governado. O que comumente contribui para essa postura passiva é a forte convicção delas de que não há vida fora do “cárcere mental” em que se auto-confinaram ou foram paulatinamente confinadas.


Um incontável número de pessoas se apega demasiada e obstinadamente a um único objetivo na vida. Embora a Bíblia nos mostre em Mateus 6:33 que nosso alvo principal deve ser servir a Deus, ela NÃO declara, em parte alguma de seu relato, que isso tenha qualquer relação com uma prestação de contas a uma organização humana – quantas horas trabalhamos para ela, quanta literatura dela foi ‘colocada’ ou ‘doada’ a moradores, quantos estudos “bíblicos” (segundo o entendimento da organização) dirigimos, etc. A Bíblia chega até mesmo a incentivar que estabeleçamos alvos secundários e façamos “investimentos” variados na vida. (Examine o texto de Eclesiastes 11:2 em outras versões da Bíblia)

Mas às vezes há o medo de se “mexer no que está quieto”. Isso talvez se deva à fobia de mudanças. Conheci Testemunhas de Jeová que quase sempre pintavam um quadro de perspectivas sombrias quando se viam forçadas a mudar seus planos em relação à “diminuição do passo” em seu serviço “teocrático” (à organização). Ao menor indício de que precisavam fazer certas mudanças no sentido de buscarem novos alvos ou “investimentos materialistas”, seus medos ativavam redomas ou escudos psicológicos “protetores”. E por que isso acontece? Por causa do intenso treinamento e da programação direcionada a um “serviço cabal” e fiel à organização. Esse processo arremessa algumas Testemunhas num mergulho rumo a crises, inseguranças e medos. E por que isso ocorre? Porque para muitas Testemunhas de Jeová, seu “serviço a Deus” só pode ser alterado se isso estiver vinculado a maiores sacrifícios e maior engajamento às atividades programadas pela organização Torre de Vigia e seu Corpo Governante. Quando certas mudanças impõem uma “diminuição do passo” que a organização exige, ou seja, quando há menor envolvimento com ela e maior engajamento em atividades seculares (“mundanas”), tal coisa pesa toneladas na mente de uma Testemunha de Jeová. Tais mudanças podem ser vistas como prováveis “ardis do diabo”, “armadilhas do sistema iníquo de coisas” ou fruto das “tendências pecaminosas herdadas” (ou imperfeição humana). É nesse campo fértil que são germinadas as sementes de culpas infundadas que fazem o membro se sentir “fraco na fé”, longe do “alvo teocrático” que ele deveria ter atingido. A sensação de fracasso é algo poderoso e pode se provar muito perigoso!

As Testemunhas de Jeová são orientadas e treinadas a considerar as mudanças que diminuem seu serviço à organização, não como aliadas para algum progresso e desenvolvimento profissional, pessoal ou familiar mas sempre como inimigas potenciais da fé e de seu amor a Deus. Isso as induz a um maior confinamento e apego à organização soberana de suas vidas. E é bem aqui, nesse território delicado e perigoso, que servir a Deus e a Cristo (algo bíblico – 2 Tim. 4:3,4) passa a ser sinônimo de serviço à organização (algo puramente humano – Mateus 15:9).

Outrossim, a ideia de que não há vida fora da organização pode comprometer a felicidade de alguém quanto a se irá tomar suas próprias decisões ou seguir os ditames da organização-mãe. A família e os amigos forçam muitas Testemunhas de Jeová a continuarem onde estão, calados e subservientes à suposta “organização de Jeová”. Nessa arena pessoal e familiar, as mudanças geralmente são consideradas como riscos desnecessários ou coisas negativas; alguns vão mais longe e as acham caminhos lúgubres, arriscados demais. Mesmo diante do sofrimento e da sujeição obrigatória, a opção é sempre deixar tudo como está. Chamo isso de “pedagogia do flagelo imposto”, uma espécie de penitência involuntária em nome de Deus.

Muitas dessas pessoas se sentem impotentes por raciocinarem que, caso falhem quando saírem da organização, serão arremessadas num atemorizante mar de “constatações” pessimistas e não discernirão possíveis saídas, além de ficarem isoladas do convívio “cristão” a que foram acostumadas. Esse sentimento de impotência se agiganta ou se potencializa no caso de pessoas ainda mais gregárias e que se tornaram total e emocionalmente dependentes (viciadas) em círculos de “amizades especiais” em associações religiosas fechadas e aparentemente mais “seguras”. Essa é, provavelmente, uma das armas mais eficientes e poderosas para intimidar concristãos, e a que mais frequentemente utilizam organizações religiosas como a das Testemunhas de Jeová a fim de manter as ovelhas no aprisco obedientemente, sem questionar.


O sentimento de comprometimento total com a organização e seus membros, a firme lealdade a ela e a programação mental que assegura que “não haverá vida fora dela”, podem gerar ainda outros padecimentos maiores.

Embora seja verdade que até mesmo servos fiéis de Deus no passado tenham encarado dores emocionais, provações físicas e vários tipos de sofrimentos (Heb. 11:32-38), também é verdade que eles mantinham uma LIGAÇÃO DIRETA com o criador e nunca se renderam ao álibi de alguma organização humana que ostentasse o conceito abstrato de ser o único “canal de comunicação de Deus”. Nisso reside toda a diferença: NUNCA tais servos do passado se viram diante de uma organização humana que lhes ditasse O QUE fazer ou COMO servir a Deus! Enfrentaram provas advindas do curso natural de suas vidas como homens e mulheres que serviam DIRETA e INDIVIDUALMENTE a Deus, sem intervenção de nenhuma “organização” humana, como a da Torre de Vigia.

Alguns como Jó e Jonas sentiram-se desesperados e desesperançosos quando suas perspectivas foram frustradas ou quando houve grandes mudanças em suas vidas – Veja Jonas 4:1-3 e Jó 17:11-16. Muitas religiões se aproveitam de exemplos assim apenas para chantagear e intimidar as almas daqueles que sofrem debaixo de seus grilhões. Todas as expectativas de seus membros passam pelo filtro de suas exigências, pressões, cargas e alvos que elas põem rígida e inflexivelmente sobre seus ombros. (Mateus 23:3-4)

Não obstante, é apenas natural que uma boa parte das expectativas construídas ao longo da vida possam sofrer alterações de rota. Não nos escape o fato de que várias delas podem acontecer tão de repente quanto um grande terremoto, exigindo enormes ajustes ao passo que outras nos atingirão apenas como ligeiros abalos ou “acomodações de solo” que demandarão tão-somente breves adaptações.

A verdade é que, quando o assunto se relaciona a crenças religiosas, uma experiência amarga do passado pode ensinar uma pessoa a ter maior equilíbrio, serenidade, prudência e maturidade para fazer as próximas escolhas e acomodar melhor sua vida. Infelizmente, para algumas pessoas, suas expectativas e escolhas estarão sempre fortemente vinculadas ao senso de obediência cega e adesão às regras do “conjunto de verdades divinas” pregadas pela organização religiosa a que se afiliam.

Consequentemente, quanto maior fôr o investimento e mais árduo o esforço desprendido, tanto maior e mais devastador poderá ser o impacto de um grande desapontamento.

No caso das Testemunhas de Jeová, muitas optam por não fazer mudanças significativas evitando assim a ruptura total com a organização. Algumas preferem ou têm de ficar “em cima do muro”. Esse é o caso das Testemunhas que escolheram a dicotomia de não se dissociarem nem serem desassociadas; continuam “legalmente” ou “burocraticamente” com o nome de “Testemunhas” mas não mais o são “de coração”. Algumas delas caem na “inatividade”. Desse modo, criam a classe de “Testemunhas de Jeová não-praticantes”. Obviamente, várias dessas pessoas até mesmo mudam de endereço e passam a viver em eterno terror psicológico porque não desejam ser descobertas pelos dirigentes locais que seriam rápidos em investigar e vagarosos em ajudar.

L.H., uma assídua leitora da página Testemunha, escreveu:

“…Até um ano atrás todos os objetivos de minha vida tinham apenas um foco: meu serviço de corpo e alma à organização que achava ser de Deus. Mudar essa conclusão em minha vida era o mesmo que morrer ‘espiritualmente’. Mas por ‘espiritualmente’ eu queria dizer algo muito mais que ‘espiritual’; era um sentimento de infinita dependência ao compromisso mental com o serviço que aprendi a fazer como sendo somente para Deus. Pensar que O estava servindo – e somente a Ele – me deixou presa a esse único objetivo por quase toda a minha vida. Ao menor sinal de mudanças nessa maneira de pensar, ia logo ao desespero total e chegava a ter pesadelos pois achava que poderia estar me tornando uma mulher iníqua. Era bem aí nesse terreno que jorravam mil sentimentos de culpa por estar ‘diminuindo o passo’. Para mim, foi um grande alívio saber que posso estar lá na congregação, ‘meio livre, meio presa’ no meu cantinho lá no salão…

…É tão bom agora sem todos aqueles medos absurdos de reduzir minhas horas de campo ou recusar um privilégio congregacional sem achar que estou desagradando a Deus. Continuo ‘refém das escolhas’ daquela jovem (nome) cabeça-dura, imatura, insegura, medrosa, tímida… feitas ‘na flor da idade’, mas você entende minhas razões, não é?! Minha família, filhos, marido…! Morro de medo que eles venham a descobrir o que leio sobre a organização na Internet. Suportaria (sem problemas) o desprezo da organização mas não saberia o que fazer sem o amor e amizade dos meus filhos e marido. Certa vez…”

Uma Testemunha de Jeová de iniciais E.S., escreveu recentemente:

“…Sinceramente até agora não sei o que pensar de tantas coisas que acreditava ou acredito. Para que saiba melhor quem está lhe escrevendo vou contar um pouco como conheci a religião TJ; Aos 15 anos de idade… aceitei um estudo bíblico, a partir daí foi muito rápido, comecei a assistir às reuniões até ficar freqüente. Fazia parte da escola do ministério teocrático, saí no serviço de campo…, para que pudesse me batizar. Mas de repente comecei a sentir outras vontades: sair com amigos que não eram da religião em lugares proibidos como danceterias, bares, etc., e isto desde o início não me fez bem, por parecer que estava servindo a dois amos. Então tive crises de consciência e decidi que iria me afastar da religião até saber o que realmente faria da vida. Depois de certo tempo tentei mais uma vez frequentar o salão do reino, mas não consegui me adaptar novamente; o tempo das reuniões parecia muito longo, a quantidade de reuniões parecia demais, a obrigação no serviço de campo por pressão de minha (omitida)…; Não suportei! Aos 18 anos me desliguei totalmente da religião, gerando uma certa revolta de minha (omitida)… que sempre me intimidou com argumentos do tipo ‘…o fim está próximo…’; porém não voltei atrás, comecei a viver sempre acreditando em Jeová, orando, conversando, falando da minha crença a outras pessoas… Em 14 de nisã, quando era possível, assistia à reunião e assim foi até minha mudança de (lugar) para (lugar), o que não mudou minha maneira de pensar sobre Deus, e assim que cheguei procurei um salão do reino para assistir a algumas reuniões; O fato é que até hoje me sinto atormentado com todas as coisas que me foram ensinadas, com relação ao fim do mundo, Armagedom…; ao ponto de qualquer mudança no céu, raios, nuvens carregadas, até mesmo um barulho demasiado, me gerarem pesadelos ou até mesmo não me deixarem dormir, ao longo do tempo estou tentando controlar isso dentro de mim, mas às vezes confesso que não consigo. Há perguntas que estão martelando na minha cabeça e gostaria de ter uma resposta, de saber o que fazer para agradar a Deus, que rumo tomar…

Para muitas Testemunhas de Jeová como essa, e crentes de outras denominações religiosas, abandonar sua religião é o mesmo que perder definitivamente a “ligação com Deus”. Isso gera conflitos, medos e ansiedades infundadas e desnecessárias que são produto do conceito de que alguém precisa servir nessa ou naquela “igreja” para evitar ser destruído no Armagedom ou perder sua salvação.

Para uma Testemunha de Jeová fiel às orientações de seu Corpo Governante em Warwick, NY, EUA Jeová Deus está completamente associado “à sua organização visível na terra”. Não existe meio de tirar da mente da maioria das Testemunhas de Jeová que abandonar a organização NÃO significa o mesmo que virar as costas para Deus. A relação Deus-organização é uma das crenças mais bem trabalhadas pela própria organização para se impor, e é sempre bem internalizada na vida de cada Testemunha. Veja como o livro “Poderá Viver no Paraíso na Terra”, página 255, par. 14, enfatiza esse aspecto (o sublinhado é meu):

“Não conclua que existem várias estradas, ou caminhos, que poderá utilizar para ganhar a vida no novo sistema de Deus. Existe apenas uma. Foi apenas aquela única arca que sobreviveu ao Dilúvio e não um sem-número de embarcações. E haverá apenas uma organização – a organização visível de Deus – que sobreviverá à grande tribulação que rapidamente se aproxima. Simplesmente não é verdade que todas as religiões conduzem ao mesmo fim. (Mateus 7:21-23; 24:21) Você precisa pertencer à organização de Jeová e fazer a vontade de Deus, a fim de receber Sua bênção de vida eterna. – Salmo 133:1-3”

Assim sendo, essa doutrinação determina aos membros que “não haverá vida fora da organização” caso cogitem sair. Decerto, essa e outras FORMAS DE INTIMIDAÇÃO cooperam para que essa “bandeira” permaneça triunfantemente hasteada nos Salões do Reino. Quais são algumas outras formas de intimidação?

  • Uma Vida Incerta?

Muitas razões levam uma Testemunha de Jeová a considerar a saída de sua organização como algo abominável, algo nem sequer cogitável. Muitos medos povoam sua mente: uma comissão judicativa, a perda de amigos e de laços afetivos com parentes Testemunhas, isolamento (ser “ilhado”), inquietante perda da fé em Deus e na Bíblia, dentre outros. As táticas intimidatórias amplamente promovidas pela organização assumem proporções gigantescas no emocional de uma Testemunha de Jeová; essa, por sua vez, sente-se impotente diante da ciranda de terrorismo psicológico que serpenteia ameaçadoramente ao seu redor. Desse modo, qualquer “sonho de liberdade” é descartado, afugentado para bem longe. Contudo, quando esse “sonho” persiste de forma reprimida mas intensa, ele se transubstancia em neuroses, desajustes, inseguranças, rebeldia e frustrações. A vítima TJ pode passar a vida toda desesperadamente confusa sem entender porque o “povo de Jeová” se diz tão feliz enquanto ela simplesmente não consegue sê-lo. O recurso que lhe resta é simplesmente assumir que a culpa é toda dela; que ELA é que tem “problemas”, ELA é que é uma pessoa “complicada” e ELA é que não se encaixa direito nem é uma boa cristã ou serva de Deus.

Conheci uma pessoa que, de tanto somatizar culpas por “não satisfazer plenamente os requisitos”, enfrentou gravíssimos problemas de saúde física e mental. Ora, sair da organização nesse estado lastimável pode ser perigoso e até fatal. Para que uma TJ não enfrente incertezas futuras, é preciso que ela, antes de tudo, recupere sua auto-estima e mantenha perspectivas realistas quanto ao seu futuro.

Essa página oferece ao leitor TJ a possibilidade de ver fatos reais da vida de várias pessoas que saíram (e de algumas que vivem em conflito dentro da organização). Como meu arquivo desses relatos é muito extenso, tentei colocar aqui apenas os casos mais pertinentes a ESSA MATÉRIA. Mas devo dizer que, na maior parte das correspondências analisadas, encontrei INFINITAS SEMELHANÇAS não só em relação aos traumas mas principalmente quanto ao modo autoritário e ditatorial da Sociedade para reprimir, conter e punir os membros em processo de saída ou que se encontram em rota de colisão com ela. E quais são algumas dessas semelhanças?

Evidentemente, uma das coisas que é logo vista nesses relatos é que tudo na organização Torre de Vigia foi trabalhado para dar a impressão enganosa e aparente de que Deus abandonará a pessoa e que ela levará uma vida incerta depois da saída. Esse é o mundo de delírios que a Torre de Vigia deseja implantar na mente de uma TJ; isso é um ardil, uma cilada para os que saem sem bom conhecimento dos gravíssimos erros da Torre. Pessoas assim estarão menos preparadas para o isolamento ou rejeição social, a tola ameaça de destruição eterna, humilhações de boatos difamantes, etc. De fato, essa expectativa é uma das armadilhas do persistente método de indução ao qual uma mente TJ está refém. Receios imaginários provocam a sensação de que “faltará chão” ou que um infinito e iminente vazio surpreenderá o membro que abandonar a organização. Isso se dá porque a TJ foi ensinada que “segurança e proteção” só são possíveis dentro dos muros de seu cárcere mental, a organização. Esse conceito abstrato de “organização de Deus” é uma das estratégias mais eficientes a favor da MANUTENÇÃO DE MEMBROS para os “institucionalizar”.

Esse será nosso próximo sub-tópico mas antes, a fim de ilustrar essa situação, cito a foto real que saiu na revista brasileira “Isto É”, de 28/02/01, página 21, mostrando o que pode ocorrer com alguém que se institucionaliza. A foto era de um prisioneiro, Eduardo Tagua, que havia vivido por 18 anos num presídio (Sevilla 2, Espanha) e depois de livre, sentou-se na frente da prisão e disse que só sairia de lá se voltasse a viver lá dentro. “O presídio é o meu verdadeiro lar”, dizia ele, um homem que institucionalizado pela vida na cadeia e, portanto, já não sabia mais viver fora dos muros daquele presídio. Desaprendera a andar com os próprios pés. Ei-lo aqui:

Eduardo Tagua

  • Padrão de Manutenção de Membros

Acabaram-se os “áureos” anos da urgência dos tempos, quando aquela “geração de 1914 não passaria” e certamente nós veríamos o fim, sem envelhecer. Esse hipnotizante brilho foi bruscamente cortado por meio de um artigo de “A Sentinela” em 1 de novembro de 1995, páginas 17-20. O “fim deste iníquo sistema de coisas” poderia então acontecer, quem sabe, daqui a muitos anos. E agora? Qual é a barganha para atrair novos membros e MANTER as Testemunhas de Jeová?

Tapinhas nas costas, sorrisos amistosos, elogios constantes, bajulações, “privilégios” e poder alcançados na organização, sensação de ser querido, especial e fazer parte de uma irmandade mundial juntamente com o enorme aparato de uma gigantesca organização com seus grandes congressos e assembleias, repetição condicionada e imposta de crenças em cinco reuniões semanais, sim, tudo isso pode levar uma pessoa a desenvolver total fidelidade à organização.

Uma Testemunha de Jeová aqui do Brasil com iniciais P.O., declarou recentemente como foi alvo dessa emboscada psico-teológica e como vive hoje em dia:

“…Fico apreensivo e torcendo por todos aqueles que, assim como eu, estão passando de uma vida regrada para uma liberdade para a qual admito não ter a madureza e o bom senso suficiente para usufruir. E isto dá muito medo…; Fico meio parecido com o cachorro que cai de um caminhão de mudanças; fico como o gato depois de receber a sapatada, meio sem graça, sem rumo…”

Embora alguns nutram esse sentimento de insegurança, muitos fiéis à Torre de Vigia se sentem “inabaláveis” e reagem: “nós SÓ temos a perder fora da organização pois NADA existe fora dela”. O “dia seguinte”, porém, poderá provar o contrário dessa afirmação.

  • O Dia Seguinte – Uma Análise Realista e Um Fato Curioso

Fora da organização, os ex-membros tomam rumos diversos e, portanto, não existe padrão estabelecido de atitudes no pós-organização. Nenhum estilo específico de vida se encaixa com exatidão num estereótipo. Apesar disso, a Sociedade Torre de Vigia continua a classificar tais seres humanos como uma classe única de pessoas que agem “como cães que voltam ao seu próprio vômito e porcas lavadas que voltam a revolver-se no lamaçal”, fazendo uso cruel do texto de 1 Pedro 2:22, sem se aperceber que ela deveria levar em conta o alerta anterior do versículo 19 no qual Pedro adverte que “todo aquele que é vencido por outro é escravizado por este”. Isso certamente serve como referência quanto a seguir ensinamentos que vão além daquilo que Cristo REALMENTE deixou registrado, pois todo o contexto se refere ao desvio dos ensinos genuinamente cristãos.

A verdade é que as atitudes e os resultados obtidos na vida dos que saíram são os mais diversos e muitos se declaram mais felizes agora, usufruindo uma vida mais tranquila longes de todas as pressões que sofriam anteriormente na organização. Minha família imediata e eu somos exemplos disso, mas há milhares de pessoas que conheci desde que saí que se sentem igualmente muitíssimo felizes depois que saíram da Torre.

É também fato que alguns que saem da organização se confrontam com um processo de construção de novos valores na vida atrelado a um modo menos preconceituoso de encarar seu próximo que não passava de “associação mundana”, ou possíveis prosélitos para os quais uma Testemunha fiel devia apenas oferecer um “estudo bíblico”.

Tanto no Brasil como no exterior temos mantido contato com pessoas dentro e fora da organização mas um fato muito curioso é que são quase sempre os que estão DENTRO da organização que relatam conflitos e problemas terríveis que estão enfrentando e não os que já estão FORA. Há pouco tempo, uma Testemunha de Jeová “ativa” nos falou por telefone que levava uma “vida miserável, cheia de exigências e tarefas que cumpria apenas para agradar os outros”, acrescentando que “nunca conseguia ser ela mesma”. Outra comparou as reuniões em sua congregação com “bailes de máscaras nos quais todos representavam algum papel”.

Novamente, vemos aqui aquela curiosidade: incontáveis casos de pessoas que estão na organização mas se apercebem de sua fragilidade como orientadora de vidas e da natureza mutável de seus ensinos, considerando-a apenas como uma organização humana e não como uma agência autorizada por Deus, dirigida pelo espírito Dele. Permanecem lá por razões ligadas à família, amigos, etc.

Alguns que saíram sabem bem o que significa ficar na organização desse jeito. R.L.O., uma Testemunha de Jeová que está “afastada”, mas não dissociada nem desassociada, conta-nos como funcionou seu processo de descoberta e o “dia seguinte”:

“Fui doutrinado aos 10 anos de idade, ou seja, em uma faixa etária em que uma pessoa pode facilmente ser convertida a qualquer credo ou filosofia – até mesmo ao ateísmo. De modo que senti-me naturalmente compelido a fazer parte daquele grupo, o qual era, efetivamente, o ÚNICO que eu tinha conhecido. Eu era o que se esperava de mim – não podia frustrar as expectativas. Além disso, todos os meus vínculos afetivos estavam entre as Testemunhas. Somente ao atingir a idade adulta e desenvolver meu próprio senso crítico, discerni que quase toda minha vida, até então, tinha girado em torno do provincialismo, ou seja, todos os meus padrões morais e filosóficos eram contaminados com os valores de um grupo em particular. Discerni que tratava-se essencialmente de uma questão cultural – o que se sucedia a mim acontecia com aqueles que tinham sido doutrinados desde a mais tenra idade, de acordo com a religião prevalente em seus países de origem: islamismo, budismo ou quaisquer outros sistemas religiosos. Pouco a pouco, abri os olhos e vi que no “mundo lá fora” existiam as mesmas virtudes que eu julgava serem exclusivas da religião à qual estava preso. Descobri verdadeiros amigos e pessoas de fortes princípios éticos. Descobri que poderia ter tudo o que supunha ser impossível naquele ambiente, porém, com uma diferença: fora da organização, eu não precisava ser autojusto nem temer a figura de um Deus à espreita, com o chicote à mão, pronto para me destruir a qualquer ‘deslize’…

F., do Rio de Janeiro, que mora atualmente no estado de Minas Gerais e que saiu há bastante tempo da organização, conta-nos sobre alguns de seus atuais valores fora da organização:

“Há vida além da organização e os três elementos principais que contribuem para minha certeza disso são: o grande amor de minha vida, um trabalho satisfatório e meus amigos íntimos, e essas coisas me bastam! Para mim, religião serve apenas a um propósito mórbido: fazer as pessoas se sentirem superiores”.

Muitos já me disseram quase a mesma coisa. Outros acrescentaram à essa lista, uma perspectiva cristã, falando de sua atual relação pessoal com Deus e seu filho, Cristo Jesus.

  • Sob Uma Perspectiva Cristã

“A Escritura diz: ‘ninguém’ que basear NELE a sua fé ficará desapontado.” (Romanos 10:11)

“Pois isso está contido na Escritura; ‘eis que ponho em Sião uma pedra, escolhida, uma pedra angular de alicerce, preciosa; e ninguém que NELA exercer fé, DE MODO ALGUM FICARÁ DESAPONTADO'”. (2 Pedro 2:6)

Há um crescente número de pessoas que abandonam a Torre de Vigia e tentam manter “a esperança (que) não conduz a desapontamento.” (Romanos 5:6)

Raymond Franz, ex-membro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová, escreve bastante sobre as perspectivas cristãs após a saída da organizacão. Em seu livro “Em Busca da Liberdade Cristã”, sequência do “Crise de Consciência”, ele diz no primeiro capítulo, páginas 8 e 9, parágrafos 1-9 (em inglês):

A LIBERDADE, como a fé, o amor e a verdade, é parte essencial do verdadeiro cristianismo. Onde a liberdade prevalece, a fé, o amor e a verdade prosperam. Quando a liberdade é restringida ou tirada, esses inevitavelmente sofrem. – 2 Coríntios 3:17.

A liberdade que o Filho de Deus nos deu tem como real objetivo que possamos expressar nossa fé e nosso amor na mais plena medida, livres das restrições que os homens, e não Deus, queiram nos impor. Qualquer restrição que se tente contra essa liberdade resulta no sacrifício da verdade, pois aqueles que buscam nos impor tais restrições o fazem, não por meio da verdade, mas por meio do erro.

Nas muitas décadas passadas centenas de milhares de pessoas têm se desligado daquela que foi minha religião de nascimento: as Testemunhas de Jeová. Durante essas mesmas décadas, centenas de milhares de outras pessoas têm ingressado nessa mesma religião, e em número suficiente para que ela continuasse a crescer. Não acho que, em si mesmos, o abandono ou o ingresso dessas pessoas provem alguma coisa.

A verdadeira questão com respeito aos que saem é porque eles saíram, o que os fez desligar-se. Terá sido o amor à verdade, o desejo de expressar sua fé e seu apego à liberdade cristã? Não poderiam eles ter conseguido isto permanecendo onde estavam? Será que a partida deles foi justificada?

Pelos mesmos aspectos, podem-se suscitar perguntas quanto aos que entram. Não resta dúvida de que um número considerável era anteriormente do tipo irreligioso, não-espiritual e essencialmente materialista. Desde que entraram têm feito mudanças visíveis nessas áreas. Pelo menos um percentual deles foram ajudados a libertar-se de sérios problemas de promiscuidade sexual, alcoolismo, vício de drogas, violência ou desonestidade, e até mesmo conduta criminosa. Isto certamente significou uma melhora em suas vidas.

Todavia, também é fato que este histórico de ajuda não é único. A maior parte das igrejas e religiões organizadas podem fornecer múltiplos casos reais e testemunhos de pessoas cujas vidas foram definitivamente transformadas em resultado de uma conversão. De modo similar, os registros e os números dos ajudados pela organização Torre de Vigia a vencerem maus hábitos ou vícios podem, sem dúvida, ser igualados até mesmo por algumas organizações sociais, inclusive os Alcoólicos Anônimos, centros de tratamento do vício das drogas e entidades do gênero. E certamente que a maioria daqueles que se tornam Testemunhas não eram pessoas anteriormente atormentadas por tais problemas.

Permanece então, a questão: Quaisquer que sejam os aparentes benefícios conseguidos, a que preço foram conseguidos? Terá a integração deles à organização das Testemunhas eventualmente resultado numa restrição à liberdade de expressar a verdade, a fé e o amor de um modo livre de coação e restrições de origem humana? E se tiver sido assim, então, quão genuína foi a melhora alcançada? Quão verdadeiramente cristãos são os aparentes benefícios?

Estas perguntas idênticas podem – e devem ser – aplicadas à qualquer religião que professe ser cristã. Espera-se que a matéria aqui apresentada venha a ser de proveito para pessoas de muitas procedências religiosas, pois o nosso tema é muito maior do que as pessoas individuais envolvidas. Ele atinge o próprio âmago das boas novas sobre o Filho de Deus, Jesus Cristo.

E daí por diante, ele passa a considerar questões de extrema importância no que tange à liberdade cristã.

Para Ray Franz, uma pessoa que resolve sair ou entrar na organização deve levar em consideração os reais motivos pelos quais deseja fazer isso. Quais são suas verdadeiras motivações? Tem essa decisão alguma coisa a ver com seu amor à verdade?

Considerar tais razões para entrar ou sair de uma organização religiosa não só é muito importante como poderá mostrar o que somos como cristãos e o que realmente queremos fazer de nossas vidas. A grande decisão sobre ingressar ou abandonar uma organização religiosa não deve ser tomada levianamente, ou como apenas uma fuga da realidade. Deve, antes de tudo, basear-se na verdade e em fatos comprováveis.

Grande parte das pessoas que ficaram duramente desapontadas por saírem “chutadas” da organização, conseguiram resolver o problema que as levou à expulsão ou dissociação. No entanto, a maioria continua FORA da organização. E por que? C.G.S., da região Sudeste do Brasil, fornece uma das razões:

“Penso que consegui restabelecer uma nova relação com Deus, mas continuo fora da organização por causa dos maus-tratos sofridos em épocas nas quais tudo de que mais precisava era um pouco de ajuda e não das sessões de julgamento que se seguiram, principalmente sabendo que dois dos três anciãos de uma das comissões ‘tinham o rabo preso’. …Tentaram destruir minha dignidade humana e por isso não voltei nem jamais voltarei, e acho que muitos só voltam porque não conseguem o equilíbrio na vida sem as rédeas de uma organização religiosa; outros porque pensam que apenas a Torre de Vigia ostenta a genuína aura de santidade, pureza e verdade. No dia em que se deixa de crer nessa premissa, acabam-se muitos dos motivos para se continuar dentro da organização”.

Alguns que saem por má-conduta e não sabem dos erros da organização (e erros que em muitos casos custaram vidas), sentem-se como estando à deriva e sem rumo, entregando-se aos excessos de uma vida comandada por desejos insensatos e anticristãos. Como dito pela pessoa no parágrafo anterior, às vezes alguns retornam à organização pela necessidade de ser novamente “paternalizados” e dirigidos pelos ditames da consciência coletiva, acomodando-se novamente na constante e “preventiva” vigilância dos anciãos congregacionais. É como se fossem crianças dependentes de uma “mãe” que os corrija com “mão de ferro em luvas de veludo.” Para pessoas desse tipo, a vida fora da organização pode se transformar num “inferno astral” pois já se acostumaram a viver subordinadas às instruções de outras; esperam que outros lhes digam COMO e O QUE fazer na vida.

É verdade que opções erradas e desequilíbrio podem advir de qualquer súbita mudança na vida, conforme já expressamos no início. Mas isso pode ocorrer com qualquer um que resolva mudar seu rumo na vida, seja esse qual for, e, portanto, alguns ex-membros podem se deparar com isso.

É compreensível que alguém atordoado com a mudança, dê seus primeiros passos “fora de casa” de forma cambaleante e somente consiga pisar firmemente após meses ou anos. Quase sempre a pessoa “cambaleante” sai da organização inconformada e magoada com o tratamento recebido, permanecendo desiludida com quase tudo por considerável espaço de tempo.

Decerto, o desapontamento religioso pode deixar sequelas profundas e fazer com que a pessoa se sinta psicológica e emocionalmente descompensada por um período de tempo prolongado.

Todavia, o tempo opera como um bálsamo coadjuvante na regeneração do tecido dilacerado das feridas mais profundas. Ele é um aliado que alivia, restabelece e cura. Faz a pessoa erguer novamente a cabeça e vislumbrar novos horizontes.

Nesse sentido, conhecemos ex-membros que acham a consideração desse tema até mesmo estranha e desnecessária visto que superaram tudo de maneira sóbria e tranquila; outros consideram esse assunto algo desagradável, parte de um passado distante…, um pesadelo que deve ser apenas enterrado e esquecido. “Afinal”, afirmou uma certa senhora, “há coisas muito mais importantes com as quais se preocupar fora da organização. Temos de juntar os cacos quebrados e sair correndo atrás do prejuízo”.

Um jovem que deixou a organização há algum tempo, veio a constatar surpreso:

“Quando estamos lá dentro, a organização parece algo muito, muito maior do que ela realmente é. A verdade, no entanto, é que ela é pequena no mundo das religiões – uma religião insignificante quando comparada a outras. Só me apercebi disso no dia em que tentava explicar a uns amigos, pela enésima vez, todo o meu drama passado lá dentro. Ninguém achou aquilo tão ‘espetacular’ assim e foi aí que caí em mim ao ouvir um de meus novos amigos exclamar: ‘puxa, que religiãozinha terrível essa, hein, ‘meu’?!”

Embora essa reação das pessoas chegue a ser muito comum, os dias que se seguem à saída definitiva da organização nem sempre são fáceis.

Há ex-Testemunhas que têm de combater intrepidamente o suplício de boatos difamantes, maldosos e humilhantes sobre as razões de sua saída ou o que anda fazendo fora da organização. Mas o que realmente magoa é saber que tais coisas muitas vezes são espalhadas por ex-companheiros, amigos ou parentes que ficaram na organização. E por que essas pessoas agem assim? Algumas delas porque precisam achar motivos para justificar a saída de alguém da “organização visível de Deus” e cooperam para que, ao “tripudiar sobre o derrotado”, sua organização se vindique mais uma vez. Para esse fim, então, a cabeça do “infiel” é posta numa bandeja de tagarelices recheadas de calúnia para que isso sirva de exemplo a quem mais seguir seu “proceder iníquo”.

Felizmente, porém, longe dessa conversa prejudicial das congregações, a pessoa encontra tranqüilidade e paz no pós-organização. O estresse, a tensão e o desamor de seus companheiros somem nas brumas do tempo. Acabam-se os conflitos e as intimidações; desaparecem os sentimentos de culpa infundados e a sensação de eterna inadequação; vão-se as pressões, a percepção errada de nunca se estar à altura das normas e exigências – aquela coisa de nunca se encaixar bem no grupo; pára-se todo o corre-corre a fim de se cumprir a intensa programação imposta pela Sociedade – campo, reuniões, estudos “bíblicos”, revisitas, congressos e assembléias, etc; cessam todos os fardos não-bíblicos que, se não cumpridos a contento, eram logo seguidos de alguma amorosa visita de pastoreio (melhor traduzida por cobranças ou “aperto de parafusos”).

Surpreendentemente, porém, quando tudo isso é retirado de uma só vez, algumas pessoas podem se sentir culpadas por não mais estarem fazendo o que aprenderam a considerar como “obrigações teocráticas”. Podem até mesmo se sentir “imerecedoras de tanta folga”. Para outros, a paz de espírito pode ser mal interpretada como “vazio”. Não é de admirar que tais pessoas se sintam desse modo após a quebra de uma rotina tão severa e de hábitos que até bem pouco tempo eram zelosamente cultivados. Nesses casos específicos, pode ser que se torne necessário que tais pessoas considerem estudar a Bíblia numa base mais freqüente e muito mais regular que outros que saem mais tranqüilamente. Mas essa é apenas uma modesta sugestão e uma opinião pessoal.

  • Uma Vida sem o Medo de Homens, nem Cobranças Indevidas

Por mais surpreendente que isso pareça, a verdade é que muitas Testemunhas morrem de medo de tomar decisões e se tornarem responsáveis por seus atos. A Sociedade estimula essa atitude de dependência ao designar homens encarregados de “ajudar os irmãos a tomarem decisões sábias” (anciãos, superintendentes de circuito, etc). Ela mesma responde a milhares de correspondências de irmãos em busca de “orientação” sobre que decisão tomar em inúmeros aspectos da vida – inclusive os mais íntimos e pessoais. As cobranças indevidas, as pressões para se fazer mais ali dentro, os medos e culpas sempre presentes, tudo faz mal para a mente refém de homens autoritários do Corpo Governante TJ.

Quando se sai, não há mais quem dite as regras do jogo da vida mas é bastante sábio e prudente estabelecer limites adequados e não perder o senso de valores morais e éticos. A pessoa talvez queira se apegar ao que for estritamente bíblico, e aí então a Palavra de Deus poderá, POR SI SÓ, exercer poder sobre as decisões da pessoa quanto ao certo ou errado, bom ou mau sem se limitar a uma visão totalmente maniqueísta e inflexível de todos os aspectos da vida.

Um senhor de iniciais M. R., da região sudeste do Brasil certa vez escreveu algo interessante em relação ao sub-tópico acima:

“Os primeiros passos fora do berço da organização foram difíceis pois eu me sentia exatamente como um bebê aprendendo a engatinhar e logo depois desejoso de andar com meus próprios pés. Ai meu Deus, como caí e me levantei inumeráveis vezes até ganhar equilíbrio e maturidade suficiente para andar sem o apoio de muletas…!

Uma coisa de que logo me apercebi foi que não havia motivo para que eu continuar a desprezar a Deus no meu dia a dia depois de sair da organização visto que eu O havia colocado num mesmo julgamento negativo daquela organização que se dizia Dele…, mas Ele simplesmente não era culpado de nada.

Por vários anos eu nutri muito medo de um imaginário “fundo de poço” com o qual a organização me ameaçara, mas à medida que o tempo passava e nada disso acontecia, tornei-me cada vez mais forte e muito mais feliz.

A cada dia, sentia-me também mais humano e mais igual aos meus semelhantes. Aprendi a me sensibilizar com a dor alheia sem dar as costas por achar que não caberia a mim resolver as mazelas do mundo, mas só a Jeová. Conseguia sentir mais pena dos desafortunados e dos pobres da humanidade e essa atitude mental me parecia mais cristã pois me levou a reconsiderar que, o significado do verdadeiro ‘amor ao próximo’ não poderia se resumir em ‘colocar’ uma revista para um pobre ou ‘trocá-la por um item de sua favela – um sabonete, uma fruta…’, como faziam alguns ‘pioneiros’ e ‘publicadores’.

Com o tempo, descobri que havia sido a própria organização que me fizera crer que sem ela, eu me tornaria um ser repugnante diante de Deus. Ao contrário dessa maldição, hoje eu me sinto muito mais capaz de humilhar-me aos olhos misericordiosos Dele e de me considerar muito mais responsável pelo uso de minha consciência e meus atos.

Não mais tenho medo de homens, e essa é uma das preciosas bênçãos que me faz cultivar cada vez mais respeito e apreço por Deus.”

  • O Que Mostram os Fatos

Mudar nem sempre é fácil e pode demandar grandes ajustes, equilíbrio, uma nova visão e mentalidade como acabamos de ler. Mas mudar exige também que um conjunto de fatores seja pesado e que todo o custo-benefício da mudança seja calculado; é importante que se saiba, por exemplo, como as coisas irão funcionar depois do momento de decisão. Um bom planejamento deve preceder qualquer investimento (Mateus 14:28-30) e deve basear-se em realidades que agreguem valores tanto no campo moral como no espiritual. Mudanças inconsequentes e precipitadas podem arruinar o curso de uma vida inteira.

A vida pós-organização pode ser serena, sem grandes surpresas. Aquelas “pessoas do mundo”, por exemplo, agirão com um ex-membro da organização tão naturalmente como antes e quem sabe, até mais receptivamente agora que sabem que não terão de “suportar” conviver com alguém que passava a impressão de querer ser superior e que só se interessava em pregar para os de fora.

A verdade é que o mundo não se acaba, nem precisam se acabar as esperanças que estiverem estrita e claramente expressas na Bíblia. Não desaparecem da Bíblia, opr exemplo, as promessas de Deus quanto a fazer Sua intervenção nos assuntos da terra. Tudo que estiver escrito na Palavra de Deus continuará lá depois da saída da organização e Suas garantias (João 3:16) e Seus conselhos continuarão disponíveis a todos que neles desejarem se estribar. (Salmos 1:1-3)

Vamos dar ao leitor uma idéia geral sobre o que acham alguns de sua vida após a saída da organização usando as próprias palavras deles. São frases de e-mails e outros tipos de correspondências que temos recebido desde 1998 quando saímos. A.T.C escreve:

“…Durante todo o período que fui Testemunha de Jeová, isto aconteceu quando eu tinha apenas 13 anos, tive que aprender a “podar” meus sentimentos. Tive que aprender a não expressar sentimentos. Como?

Imagine se você fosse uma criança de 13 anos e um servo ministerial ou um ancião lhe dissesse que você não poderia chorar por seus pais “mundanos” na hora do Armagedom ou você seria destruído junto com eles.

Imagine se você fosse um jovem adolescente que precisasse sair, ter amigos e lhe dissessem que ter por amigos aqueles não são do salão, mesmo que fossem parentes, isto lhe impediria de ter a salvação.

Imagine-se gostando de uma moça Testemunha de Jeová, como você, e lhe proibissem de namorar com ela porque você é apenas um jovem de 15 anos e não tem idade para se casar.

Imagine-se feliz da vida por causa de algo bom que aconteceu e desejoso de dar um grande abraço naquela sua amiga tão amada, mas não fazê-lo porque isso é considerado tabu entre as TJ.

Imagine-se pregando de casa em casa e uma pessoa muito bondosa e educada não aceita sua religião porque ela já tem uma. E você tem que aceitar e se contentar com a “DESTRUIÇÃO” daquela pessoa porque sua religião é a única verdadeira na face da terra.

Imagine-se não participando em festas de aniversário, dia das mães, dia dos pais, junto de seus familiares e tendo que afogar todo o sentimento e desejo de estar junto daqueles a quem tanto amamos, pois de outra forma seremos destruídos por Deus.

Imagine tudo isso e você compreenderá porque estou feliz de ter chorado pela morte do meu tio.

Foram anos de terapia para me conscientizar de que minha depressão, síndrome do pânico, transtorno de ansiedade vinham do aprisionamento dos meus sentimentos. Aprisionamento incentivado pela religião a que eu pertencia.

A religião me fez uma pessoa dura, insensível, autojusta, sem amor e consideração pelo meu próximo.

Tolhi meus desejos de forma louca e insana, pois tinha medo do pesado julgamento de Deus. Agora que abandonei a STV posso gritar de felicidade. Agora sou uma pessoa feliz. Continuo sendo cristão, creio em Deus e no sacrifício resgatador de Cristo. Espero um mundo melhor por parte do governo de Deus, embora não saiba exatamente como isso se dará e qual será a esperança de cada um.

Não sei exatamente para onde vou, mas sei exatamente para onde não quero mais voltar. Sei que eu era apenas, como disse Paulo, “um pedaço de latão que ressoa ou um címbalo que retine”, agora não sou mais. Tenho vida dentro de mim. Sou alguém que se conhece e reconhece. Não sou mais um molde programado por uma religião despótica, opressiva, coercitiva e ditadora. E tudo isso ela faz em nome de Deus, em nome da teocracia.

Sei que as programações da STV são difíceis de serem desfeitas, mas não são impossíveis. Eu consegui e muitos conseguirão também, como outros já conseguiram. Espero que aqueles que passaram pelo que passei possam chegar até onde cheguei e encontrar a “liberdade gloriosa dos filhos de Deus”, pois nosso mestre disse: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”

P.J., da região Nordeste do Brasil, que saiu da organização há pouco tempo, pondera:

Quando assumi definitivamente os dogmas da Sociedade Torre de Vigia através do meu batismo em 1993, me sentia um iluminado e de espírito inquebrantável, sabia que estava me dedicando a algo que tinha a ver com meus princípios de solidariedade e amor ao próximo! Tinha a sensação que a qualquer momento Deus agiria de forma a eliminar todos que eram iníquos e que a paz por fim reinaria na Terra!

O tempo foi passando e percebi que os iníquos que eu tanto desejava o pior, eram todas as pessoas que não eram TJ, isso me marcou, pois meus pais iriam fazer parte desse pré-julgamento!

Comecei a observar que muita gente ainda sabia como ser bom, honesto, alegre, solidário e isso fazia com que eu pensasse: Se eu fosse um Deus amoroso, será que iria destruir pessoas com índoles boas só por que não fazem determinados rituais? Como julgar pessoas que nascem numa miséria intelectual e material como indignas do favor de Deus, se nem ao menos tiveram oportunidades para uma mudança?

Por fim veio aquele estalo que eu não era o melhor por ser TJ numa aula na faculdade onde foi feita uma dinâmica onde todos deviam passar uma mensagem para quem mais gostava na sala de aula e ali eu vi, mães sofrendo por terem seus filhos com algum tipo de problema, vi moças chorando de alegria por alguém tê-las ouvido num momento de extrema dificuldade, vi seres humanos, com seus problemas e fraquezas, com suas alegrias e sinceros sentimentos de ver o próximo melhor! Perguntei-me: Senhor Jeová, o Senhor em tão grande sabedoria vai virar o rosto para esses teus filhos? O fato de não serem Testemunhas os faz piores em algo?

Se nosso planeta é um minúsculo grão de areia no universo, essas pessoas vão ser julgadas por menos que isso?

Com certeza NÃO! E a partir daí, vi que Deus não está preso a uma ideologia ou religião! Apego-me a uma frase: Eu prefiro acreditar no Deus que criou os homens, do que acreditar no Deus que os homens criaram”!

Uma senhora de iniciais A.G., da região Nordeste do Brasil, expôs a seguinte reflexão:

“…Entrei na organização porque sempre amei a Deus e continuo temente a Ele, mas não consegui ser feliz tentando servi-Lo dentro do salão do Reino. Eram muitos os meus questionamentos não só em relação ao sistema opressivo (da organização) mas principalmente com respeito às crenças que pareciam muito fantasiosas como a volta invisível de Cristo em 1914 e aquela “geração de 1914” que presenciaria o fim do sistema de coisas.

Meu marido ‘mundano’ tentava me mostrar as incoerências mas eu fazia vista grossa em nome do ‘conjunto de verdades mais fundamentais…’ Hoje em dia sou muito mais feliz por não mais ser escrava de ensinos e regras humanas (Mateus 15:9). Tento sempre estar em paz com minha consciência diante de Deus e só sinto tristeza quando recordo dos meus amigos que ficaram presos lá dentro, vivendo sob pressão e pensando estar servindo a Deus…; A vida fora da organização me tem trazido a harmonia e a paz que há muito me tinham roubado lá dentro; na saída, recuperei o que era meu e sagrado – a paz, algo bom que havia perdido no dia em que entrei. Todos os conflitos se encerraram no dia em que assinei minha carta de dissociação…”

Um senhor de iniciais C.F. declarou:

“Descobri que as tribulações de minha vida como Testemunha de Jeová não eram geradas por motivos bíblicos ou por tentar ser um seguidor de Cristo num mundo corrupto (João 16:33); …eram causadas por pressões originadas dos ‘empurrões’ para que eu fizesse mais e mais numa ‘obra’ que parecia cada vez mais ‘empresarial’ e não cristã. Todas aquelas horas de trabalho árduo, dedicadas a fazer contas e mais contas… Como ancião-secretário eu me sentia o responsável direto pelo desempenho de serviço da congregação nos ‘relatórios de campo’. Análises de aumentos ou decréscimos nos índices de horas dedicadas à pregação, colocação de literatura. Eu estava sempre calculando as ‘atividades dos irmãos’ – quantos livros, quantas revistas, quantos estudos bíblicos, quantas horas, quantas revisitas, quanto dinheiro mandar para Sociedade…; quantos livros em estoque e que campanhas para a ‘desova’ desses estoques… Empréstimos para reformas (e até construção)… Solicitação de contribuições (mais dinheiro dos irmãos) para isso ou aquilo. Contas, contas, contas… Isso tudo não parecia muito com o cristianismo primitivo (Atos 2:42-47); Além da rotina ‘normal’ das Testemunhas, eu tinha ‘reuniões especiais de anciãos’, ‘cursos de anciãos’, comissões judicativas para decidir se alguém ia ou não continuar entre nós…; eu não conseguia mais ver a relação dessas coisas com o que a Bíblia dizia do cristianismo.

Apenas fora da organização consegui realmente perceber o quanto eu havia desprezado o tempo com minha família, e só então me dei conta de que meus filhos haviam crescido quase sem mim! Os conselhos para gastar tempo com a família não conseguiam mudar a realidade de um cotidiano repleto de atividades e responsabilidades ‘teocráticas’. Hoje em dia, tento refazer minha relação com meus filhos, minha esposa e muitos entes queridos que haviam sido postos de lado em nome de Deus.”

  • A Opção de Uma Liberdade Cristã

Muitas pessoas que estão fora da organização falam de sua liberdade como sendo cristã e que isso as faz viver serenamente. Garantem, no entanto, que a liberdade cristã não é qualquer liberdade, pois ela leva em conta o código de conduta encontrado na Bíblia. Afirmam também que o amor e o respeito ao próximo são ingredientes indispensáveis para o bem-estar humano e que esse amor tem características maravilhosas – 1 Cor. 13:4-7.

Por não se apegarem ao que é excelente (1 Tes. 5:21), a vida de alguns que saem pode ser tão desequilibrada quanto a de muitos dentro da organização que pregam uma coisa e fazem outra. Assim, nem dentro nem fora estaremos livres de nossas tendências pecaminosas. Os excessos transformam muitos dentro e fora da organização em verdadeiras bombas-relógios.

Seria tanto inverossímil quanto desonesto mostrar apenas o lado bom da vida fora da organização, como o faz a organização quando fala das vantagens do “paraíso espiritual” que seus membros usufruem ou ao branquear sua história para não “lançar vitupério ao nome de Deus” (leia-se “organização”).

Visto não estarmos tratando os que estão fora da organização como uma “organização de ex-membros das Testemunhas de Jeová”, não seria justo julgá-los como estando totalmente certos ou errados em suas novas escolhas. Porém, é natural que expressemos desalento quando observamos casos de pessoas que saíram e resolveram sabotar hábitos salutares de conduta (Gálatas 5:22-25) ou que saíram sem entender bem o porquê, ficando à mercê de perigos desnecessários que antes evitavam.

Adicionalmente, é triste ver pessoas que saem expressar ódio por ex-companheiros Testemunhas. Parecem não admitir que essas Testemunhas agem apenas como vítimas de outras vítimas ou como “soldadinhos de chumbo” sob o comando da Sociedade e em conformidade com o que lhes foi ensinado como “verdades divinas”. 1 Coríntios 13: 4-7 e Romanos 12:17-21 nos lembram o princípio importante de “não retribuir a ninguém mal por mal”.

Fora da organização, alguns travam uma grande luta para cultivar uma liberdade cristã responsável ao passo que repensam sua relação com Deus sem a intervenção de uma religião. Não se sentem livres de algo mas para algo: a fé em Cristo e no que ele deixou. Nesse sentido, William Gadêlha, que foi Testemunha batizada por 24 anos, e ancião por 14, fez a seguinte observação:

“Continuo crendo EM TUDO que a Bíblia fala CLARAMENTE. Para mim, cristianismo é principalmente conduta e não apenas um conjunto de doutrinas que nos faz o ‘único povo de Deus’. Não saí porque achava incômodo fazer tudo aquilo ou porque não gostava do serviço que pensava ser para Deus; apenas queria que tudo fosse realmente verdade. No dia em que encontrei argumentos e provas de que a organização NÃO era dirigida por Deus, resolvi sair. Estou muito feliz de ter saído enquanto ainda me restavam alguns anos de vida útil.

Entrei na organização no período em que havia perdido uma tia muito amada e me achava muito deprimido com isso. Pensava ter encontrado toda a verdade, pois algumas coisas como a Ressurreição dos Mortos, a Vida em um Novo Mundo, e outras coisas que estão na Bíblia eram TAMBÉM usadas pelas Testemunhas de Jeová.

Por muito tempo me senti endividado com a organização por conta do que ela me ensinou com base na Bíblia. Mas outras religiões também tiravam coisas da Bíblia e também acrescentavam seus conceitos como o faz a organização quando vai além do que está escrito, e um exemplo disso é a alegação de que Cristo reina de modo invisível desde 1914.

Penso que essa liberdade que sinto fora da organização precisa ser muito bem usada e, portanto, sigo na luta para não me deixar governar apenas pelos desejos de meu ‘coração traiçoeiro’… – Jeremias 17:9, 10.”

Essa é uma das posições que alguém pode adotar no pós-organização, mas não há fórmulas fantásticas para se manter alguma medida de fé nas coisas realmente sagradas. Dramas individuais podem determinar a situação da pessoa no pós-organização. Alguns tentam ver as coisas com toda a lucidez, naturalidade e serenidade possíveis.

  • Fé e Liberdade – Para Quem Vai o Crédito?

Um homem jovem aqui do Brasil, E. S., escrevendo a um colega que estava quase perdendo sua mãe por causa de uma mal cardíaco, tentou dar-lhe algum suporte e seus comentários em um fórum da Internet (composto por Testemunhas de Jeová ativas e ex-membros aqui no Brasil) foram os seguintes:

No mês de abril/01 serão três anos que fui afastado por motivo de consciência da congregação local, porém, é para mim apenas como ontem. Nesse período larguei o emprego para trabalhar em casa. Motivo? Stress, devido a rotina de trabalho e sobretudo ao choque que tomei quando descobri ter-me enganado tanto, apostando que a organização das Testemunhas de Jeová eram de fato o que pregavam: a verdade, a organização que é perfeita. Creio, Alex, que o problema está não somente na organização, antes está nas nossas expectativas exageradas e irreais. Acreditamos em um lindo e maravilhoso sonho, antecipado por nossos próprios desejos…;

…Quando estamos combalidos, o sentimento de abandono nos sobrevém, e quando nos sentimos abandonados logo pensamos que o mesmo aconteceu com a nossa fé, o que não é verdade. Não é necessário ter grande fé, ou fé mediana, ou pequena fé para que Jeová se lembre de nós ou nos acalente no desespero. Basta termos fé do tamanho de um grão de mostarda para mover uma montanha. Então, Alex, aposto que pelo menos uma fé, não do tamanho de um grão de mostarda, mas de um grão de areia ou um milésimo de milímetro você têm, não têm? Seu e-mail é prova disso. Então garoto, bola para a frente. Deixe a Torre colher o que plantou.

Alex, você já reparou de sua janela a vegetação ao redor? De como o vento vem e vai nas folhas, os pássaros que saltitam de um lado para o outro, voando de lá para cá; chuva e sol, e lá está a vegetação. Tudo parece tão harmonioso e fora de nosso controle, e ainda assim, funciona! A terra corre feito doida pelo espaço e nada podemos fazer para impedi-la. O sol nasce e se põe, e nem ao menos podemos regular sua temperatura. Portanto, Alex, não se martirize à toa; basta a cada dia sua própria ansiedade!

Nota: tenho 26 anos, e também sou filho único, adotivo e minha mãe adotiva continua a frequentar o Salão do Reino. Ela têm dificuldade para andar e sou eu quem a levo às reuniões três vezes por semana.

O que E. S. diz aqui sobre fé faz bastante sentido pois é fato que a fé poderá realmente ser de real ajuda em tempos críticos em que precisamos contar mais ainda com a ajuda do criador. Mas a fé pode ser cultivada dentro ou fora de uma organização religiosa e a pessoa não precisa estar necessariamente afiliada a uma ou outra religião para cultivá-la. A Bíblia diz que “a fé não é propriedade de todos” e Paulo escreveu isso aos irmãos em Tessalônica. (2 Tes. 3:2. Veja também Romanos 10:9). Portanto, fora da organização, temos de exercer fé e liberdade sem a segurança nebulosa que a organização transmitia.

Fora da organização, a pessoa pode se dar conta de que estava atribuindo crédito indevido à organização por algumas “coisas boas” que ela tomou emprestado da Bíblia ou pela “fé e liberdade superior” que imaginava usufruir como Testemunha. Outras religiões também reivindicam os mesmos créditos de seus adeptos. Assim, por causa das “boas coisas” tomadas da Bíblia, muitos ex-membros chegam a ouvir coisas do tipo: “quem sai da organização não deveria cuspir no prato em que comeu”. Mas quem sempre faz isso é a própria organização que, depois de usar todo o talento e capacidade de seus ex-membros por anos a fio como “trabalhadores voluntários” em prol de seus interesses, despreza-os, tachando-os de “apóstatas” e de outros termos difamantes.

Quando a pessoa se sente muito “desamparada” e pensa ainda estar em débito com a organização mais do que com Deus, é bem possível que ela jamais se sinta “livre” e confortável fora da organização. Tal pessoa mostra que aquela aparente “segurança” é mais importante do que a liberdade cristã. Por incrível que isso possa parecer, ela poderá continuar achando que a organização ainda é merecedora de louvores e reverência. Esse sentimento é o principal motivo que induz alguns ex-membros a pensarem ser “incorreto” falar dos erros e contradições da Sociedade. É como se eles ainda devessem uma certa obediência à organização, mesmo estando totalmente fora dela e como alvos de seus ataques contra os desassociados que ela considera “entregues ao diabo”. Nesses casos, a pessoa saiu da organização, mas a organização não saiu da pessoa. A organização continua exercendo autoridade e poder sobre a vida dessa pessoa e o que é pior, sobre sua liberdade de expressão.

Ora, não é incoerente que a Sociedade se auto-confira o direito de falar dos erros das religiões em geral e ache errado que alguém fale dos erros dela que, à propósito, já fizeram muitas vítimas fatais? Por que calar-se?

O que devemos fazer quando sabemos que algumas informações que temos poderão ser de ajuda a um grupo de pessoas mesmo que, dentre elas, algumas achem que tais coisas não lhes servirão?

Há, sim, os que se sentem gratos por disponibilizarmos essas informações na Internet. Alguns destes continuam na organização mas não mais se ressentem de ler aquilo que a Sociedade tacha de “apostasia” nem de ver até que ponto o legalismo pode prejudicar seus relacionamentos e até sua vida.

Um senhor da região sudeste do Brasil, desabafa:

“Sou Testemunha de Jeová. Batizei-me aos 25 anos e acredito ter passado meus melhores anos de vida fazendo todo o possível para servir a organização lealmente. Não fui apenas perfeccionista nessa tentativa; fui severo, áspero, intolerante e me considerava um excelente ‘soldado de Cristo’ e uma grande ‘coluna de amparo’ para meus irmãos e irmãs. Nunca aceitei fazer nada pró-forma ou algo que não fosse exatamente o melhor de mim para a organização. Ai dos que porventura viessem a me apoiar em algum arranjo ‘teocrático’!

Fui pioneiro regular por vários anos, ancião e, enfim, tive todos os ‘privilégios’ que um varão deveria querer para si como Testemunha de Jeová. Um dia, aos meus 52 anos de idade, olhei para trás e me fiz a pergunta fatal: foi tudo isso para Deus ou para uma organização de homens? Desse dia em diante não mais controlei o espírito questionador que florescera de repente e então passei a pesquisar incansavelmente. Mas, à medida que acordava para a verdade de tudo isso, vi pedaços de minha vida espalhados pelo chão. Toquei-os levemente e passei a juntar cada um deles. Por algum tempo, senti-me perdido, tonto. Chorei muito às escondidas. Estaria eu ‘perdendo minha alegria de servir a Deus’? Não, não era isso! Era apenas a dor da constatação. Era a hora da verdade do que eu havia sido até ali. Era hora de encarar o que eu havia negado até então.

…Mas o tempo corria rapidamente. Debati-me aflito, com o coração cheio de angústia porque me sentia sozinho nessa jornada. Minha esposa nada sabia. Essa era a primeira vez que eu me sentia assim em toda a minha vida conjugal. Teria eu coragem para contar a ela tudo que estava descobrindo? Como reagiria? Iria me desprezar? Não, isso não…

…Certa noitinha, sentei-me ao lado de minha companheira inocente e a beijei terna e suavemente. Expliquei-lhe tudo que estava acontecendo comigo. Ela ouviu a tudo em completo silêncio. Quando parei, com os olhos ainda cheios de lágrimas, tomei seu rosto em minhas mãos e olhei diretamente em seus olhos que também choravam. E, então, para minha alegria, ouvi o que um homem nessa situação deseja ouvir da pessoa amada: ‘Querido, tenho sido tão feliz ao seu lado. Você é um homem sincero e correto. O que quer que você decida, será sua verdade que quero que divida comigo e deverei ser a primeira a saber das razões de qualquer nova escolha. (Pausou por um breve instante) …Mas quero estudar essas coisas com você e tentarei ver cada uma delas com muita oração a Jeová. Não vou deixar você sozinho nessa. Jeová é um Deus bom e amoroso e cuidará de nós dois mais uma vez…’

Hoje está fazendo um ano que ela disse essas palavras. Saímos da organização apenas no espírito pois não nos separamos dela burocraticamente. Nós nos dissociamos, mas somente no íntimo. Nossos filhos e amigos, você entende, não é mesmo?! De coração, agradecemos a todos vocês que trabalham na Internet e trazem os frutos de suas descobertas até nós…

E o que resultou de tudo isso? Acaso nos tornamos menos tementes a Deus ou menos amorosos com nossos irmãos? Ao contrário. Nosso amor a Deus aumentou pois hoje sabemos separar muito bem aquilo que é de Deus daquilo que é apenas para homens. Também mudei minha atitude com meus irmãos: não sou mais aquele homem áspero, nem severo, nem intolerante com eles. Deixei o cargo de ancião há algum tempo e somos apenas rostos amigos no salão – ‘irmãozinhos que ficaram fracos na fé e que assistem a algumas reuniões’. Não sei por quanto tempo iremos permanecer assim. Mas de uma coisa temos certeza: somos mais felizes desse modo e temos mais paz em nossas vidas. Conseguimos entender melhor o que Deus realmente requer de cada um de nós e compreendemos mais o Seu grandioso amor e misericórdia por todos os seres humanos que estão dentro e fora da organização.

Obrigado…”

É surpreendente ver como cresce o número de pessoas que preferem continuar tendo fé em Deus mesmo depois do impacto de dolorosas constatações ou de concluírem que estiveram dando crédito a homens mais do que a Deus. Talvez isso se deva especialmente ao fato de que Jeová Deus não é propriedade particular e exclusiva de uma organização humana mas o ser supremo que se coloca à disposição de todos que por Ele “buscam seriamente”, “embora, de fato, não esteja longe de cada um de nós”. (Veja Hebreus 11:6, Atos 17:24-28 e Isaías 55:6-7)

  • Amigos Leais – A Visão de Dentro da Organização

“Há companheiros dispostos a se fazerem mutuamente em pedaços, mas há um amigo que se apega mais do que um irmão.” (Prov. 18:24)

“O verdadeiro companheiro está amando todo o tempo e é um irmão nascido para quando há aflição.” (Prov. 17:17)

As religiões se apercebem do fato de que seus simpatizantes buscam esse tipo de amigo dentro de seus pátios e daí se valem desse “diferencial” atraente prometendo ofertá-lo a qualquer um que se achegue à sua comunidade. A promessa é logo ampliada quando se fala lá dentro de uma associação fraterna, unida num só propósito – uma fraternidade na qual imperarão a lealdade e a verdadeira adoração a Deus. “O amor”, apela a organização da Torre de Vigia, “é o sinal identificador dos verdadeiros cristãos.” Isso é uma obviedade mas quão realista é crer que esse sinal só será encontrado entre as Testemunhas de Jeová? Basta não ir a guerras ou esse “sinal” requer muito mais? Como é esse “sinal identificador”, o amor, demonstrado numa comunidade de Testemunhas de Jeová?

Amigos leais e amorosos sempre foram jóias muito raras no mundo. Todos desejam descobrir pelo menos um desses amigos em sua jornada na vida. A maioria absoluta das religiões incentiva o companheirismo leal e o estreitamento de laços afetivos entre os membros de suas comunidades. “Pessoas que antes não se conheciam, agora fazem parte da grande família de Deus”, é uma frase que pode ser ouvida em várias religiões do mundo.

No caso das Testemunhas, elas são orientadas a desenvolver amizades do tipo “aprovado”, mesmo com relação a membros batizados. Dentro da “família cristã” das Testemunhas de Jeová, um irmão muito zeloso é orientado a cultivar amizades com irmãos de igual “espiritualidade”, comumente alguém que faça o mesmo número de horas na pregação de porta em porta e demonstre o mesmo tipo de fervor religioso conhecido como “zelo (ou apreço) pelo serviço sagrado.”

Assim, os “espiritualmente fracos” tenderão a procurar apenas amigos “espiritualmente fracos”, e os “espiritualmente fortes”, amigos “teocráticos e zelosos”. Essa política incentivada nas reuniões, por meio de discursos públicos e em diversas publicações da Sociedade, baseia-se nas premissas, nos pressuspostos “teocráticos” exclusivamente promovidos pela organização da Torre de Vigia.

Vários indícios de “zelo e apreço” servirão como “medidores da fé” de um membro. “Quão ativo é o irmão nas reuniões e na obra de Deus?” é a pergunta-padrão feita pelos mais “teocráticos” concernente à escolha de seus amigos.

Portanto, assim como em outras organizações, uma Testemunha realmente zelosa levará muito em conta o quanto o candidato à sua amizade faz em prol de sua organização e se esse vive em total conformidade de grupo – ou “by the book”, como brinca um amigo.

As amizades TJ são amizades “organizacionais”!

  • Amigos Leais – A Visão de Fora da Organização

Fora da organização, tudo é diferente com respeito às amizades. As amizades são menos condicionadas. Elas nem sempre levam em conta, por exemplo, o que se faz ou se deixa de fazer em prol dos interesses de uma organização. O que quase sempre conta é o que se está disposto a fazer pelo amigo sem se esperar ou pedir algo em troca.

Após anos de confinamento mental, é possível que as primeiras amizades sejam incrivelmente reveladoras. Descobre-se que entre os “mundanos” há pessoas realmente interessantes e desejáveis para se ter como ótimos amigos.

Pessoas amigas, honestas, leais e de coração bondoso tornam-se um “refrigério” para quem sai desconfiado, desiludido, desencantado e, ao mesmo tempo, assustado com a solidão temporária.

Há amigos, do tipo descrito pelos textos acima, fora da organização? Sem hesitação, essa pergunta seria respondida com um sonoro NÃO por uma Testemunha “teocrática” que logo acrescentaria com ares de grandeza: “passou ela a adorar o verdadeiro Deus? Bem, então…”

Certa vez, conversando com meu irmão carnal dissociado, Ésio Miranda, sobre amigos Testemunhas, ele observou que alguns adoravam investigar a vida dos outros. Essas “investigações” quase sempre se transformavam em “visitas amorosas de pastoreio por parte de anciãos. E por que? Porque na intimidade que tais amizades proporcionavam, muita coisa que só se diz a um amigo, virava tagarelice maldosa. Ele comentou pensativamente nessa ocasião: “ora, por causa das afirmações categóricas da organização de que apenas ela possui o ‘sinal identificador do verdadeiro cristianismo’, isso não deveria ser tão comum nas associações entre as Testemunhas”. Depois dessa reflexão, ele acrescentou convicta e enfaticamente:

“Rapaz, fora da organização eu descobri amigos maravilhosos. Pessoas cheias de compaixão e amor ao próximo seja esse qual for. Muitas dessas pessoas são tementes a Deus e têm um coração imenso! Fui pego de surpresa pois minha mente teimava em admitir que isso era possível dado o treinamento que eu havia recebido como TJ. Estou feliz em saber que meus amigos aqui fora realmente se importam comigo e me aceitam como sou no íntimo e que me amam não pelo que faço ou deixo de fazer por uma organização humana, mas pelo que mostro ser de coração. E como é bom não me sentir mais ‘superior’ a elas por causa de um mero conjunto de crenças!”

Uma outra pessoa nos escreveu recentemente:

“Como foram importantes os vizinhos, os amigos, os ‘samaritanos’ mundanos que nos deram a mão e nos acolheram sem se sentirem no direito de nos reprimir, nos guiar! Boas pessoas, sim, porque não?”

  • Viver por Viver?

Fora da organização as pessoas podem se confrontar com questões existenciais: “E agora, o que faço? O que sou? Para onde vou?” Perguntas no mínimo naturais considerando-se o tempo que a pessoa manteve uma identidade definida. Essas mesmas perguntas atravessam séculos da história humana e foi tentando respondê-las que nos batizamos como Testemunhas de Jeová e também outros entraram em outras organizações religiosas.

Arrisco dizer que para evitar uma crise existencial e não perder a autoestima, a pessoa não precisará necessariamente desenhar um perfil todo novo para sua personalidade após sair da organização. Às vezes, basta simplesmente estabelecer um padrão equilibrado de bom comportamento para si mesma da mesma forma que o fez quando se tornou Testemunha.

Conselhos como Romanos 12:12 não pertencem à organização mas à Palavra de Deus. Continuar aplicando-os significará continuar a não transigir valores morais que você considerar importantes.

Quando mudamos de casa levamos apenas os itens que consideramos importantes e outros simplesmente desprezamos. Ora, alguns objetos até mesmo se perdem no passado e nem damos por sua falta. No entanto, quando fazemos uma grande mudança em nossa visão de mundo, precisamos ser bem mais seletivos e cautelosos quanto ao que realmente NÃO deveríamos deixar de levar conosco. É imprescindível que não nos esqueçamos de “objetos” que podem ser decisivos para uma vida mais saudável e melhor. Nesse sentido, fazer uma boa “triagem” evita que a pessoa se sinta tentada à abordagem do “viver por viver”.

Ora, você saiu da organização, mas e daí? As respostas da Bíblia continuarão lá à sua disposição. Que sentido elas assumirão, tornar-se-á uma questão de decisão pessoal. Por exemplo, os que amam a Cristo continuarão a considerá-lo como seu resgatador, seu amigo e seu único mediador. (1 Tim. 2:5)

Um cristão genuíno certamente não precisará mudar completamente a sua forma de encarar o mundo ao seu redor. Talvez queira apenas repensar conceitos e regras sem base bíblica ou talvez se sinta também inclinado a ajustar sua maneira de encarar o próximo, conforme vimos acima.

Ora, ser ou não um seguidor de Cristo não depende de se estar fora ou dentro de alguma organização religiosa! (Leia João 14:18-21 e 23, 24 )

A pergunta talvez não seja “para onde vou” mas “para quem”. Do ponto de vista bíblico, isso foi respondido pelo filho de Deus quando ele próprio disse: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”. (João 14:6)

A pergunta “o que faço agora” talvez deva vir depois de outras como: “o que eu fazia como TJ? Servia a Deus ou a uma organização humana?” O livro de Hebreus no capítulo 12 fala de uma grande “nuvem” de testemunhas fiéis a Deus (Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, etc) e depois disso incentiva a todos a continuarem a “olhar atentamente para o Agente Principal e Aperfeiçoador da nossa fé, Jesus”.

No entanto, se você chegou até aqui, vale lembrar que essa página não se destina a traçar mais um caminho ou apontar mais uma “religião verdadeira”. Sob uma perspectiva cristã, os leitores são unicamente lembrados da figura de Jesus e da importância do cristianismo como forma, opção ou estilo de vida. (1 João 2:1-6; Heb. 7:25) Pensar e agir nesse sentido, para muitos, evita que alimentem a sensação de “viver por viver”.

  • Feridas que Saram

Uma frase de uma velha canção de Bob Dylan diz: “Se você não acredita que haja preço por esse doce paraíso, apenas me lembre de mostrar-lhe as cicatrizes.”

O atual “paraíso espiritual” tão celebrado entre as Testemunhas cobra um preço alto. Os dispostos a pagá-lo continuarão lá dentro pois se supõem plenamente satisfeitos com isso.

Os que saem da organização podem levar algum tempo para se recompor do “pagamento” em prestações por anos.

Cuidar bem das cicatrizes pode incluir não ficar abrindo feridas por se nutrir ódio a ex-companheiros quando eles mostram que nos desprezam. Tentar entender que muitos desses são obrigados a fazer isso, embora não desejem isso de coração, é bem mais recompensador.

Cabe às vezes lembrar que essa atitude ensinada nada mais é que uma velha e acintosa “vingança” da organização contra os que se rebelam contra seu legalismo e autoritarismo. É um legado maldito que ela passa aos seus filhos e isso tem se constituído no “feitiço contra o feiticeiro”, pois à medida que avançamos no século 21, tal expediente se transforma mais e mais num desserviço à ela mesma, organização. E por que? Porque essa é a forma mais retrógrada dela reprimir as críticas a seus ensinos que desonram ao Deus de amor – tal fórmula está cada dia mais caduca e sem efeito.

As cicatrizes talvez jamais desapareçam totalmente mas elas certamente cumprem seu papel ao nos servirem de lembretes inapagáveis dos fardos humanos que nos foram impostos no passado.

Quanto maior a alegria, a paz e a tranqüilidade de uma vida equilibrada longe dos longos tentáculos da organização, tanto mais rápida a cicatrização e regeneração do tecido emocional.

  • Fora da Organização, Dentro do Amor de Deus

“Que diremos, então, quanto a estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? …Quem nos separará do amor do Cristo? Acaso tribulação, ou aflição, ou perseguição, ou nudez, ou perigo, ou espada? …pois estou convencido de que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem governos, nem coisas presentes nem coisas por vir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criação será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso senhor.” (Romanos 8:31, 35, 38-39)

Definitivamente, sair da organização não significa perder o amor de Deus!

Muitos dos que saem NÃO se tornam altivos, orgulhosos e sem humildade embora esse modelo seja severamente previsto e assegurado pela organização. Ao contrário disso, muitos se sentem mais “humanizados” e mais plenamente cientes de que estarão perante “a cadeira de juiz de Deus”. Sabem que não devem se julgar superiores aos seus semelhantes, nem podem tornar-se menos responsáveis por seus atos. Aprenderam a confiar unicamente no amor e misericórdia de Deus para os ajudar em todas as horas. Não tendo que dar satisfação de sua conduta perante autoridades eclesiásticas, optam por adotar um código de conduta que honre e leve em consideração a expressa vontade de Deus (Tiago 4:13-17), sabendo que são como “uma bruma que aparece por um pouco de tempo e depois desaparece.”

Quando uma Testemunha de Jeová perguntou porque eu escrevia “idéias minhas” sobre a organização dela e porque eu “perdera meu amor a Deus”, respondi-lhe que eu não fazia isso contra Jeová Deus nem APENAS para defender idéias minhas. Fazia-o por achar que outros também tinham o direito de ver a organização por uma ótica menos míope e unilateral. Fazia-o para informar as pessoas sobre o risco de estarem seguindo regras humanas que poderiam comprometer até mesmo a vida delas. Assim sendo, fazia-o movido por um senso de amor ao próximo e para cumprir uma obrigação moral. Indiquei-lhe também um texto:

“Mas, santificai o Cristo como Senhor nos vossos corações, sempre PRONTOS PARA FAZER UMA DEFESA perante todo aquele que reclamar de vós uma razão para esperança que há em vós, fazendo-o, porém, com temperamento brando e profundo respeito.” (1 Pedro 3:15)

Acrescentei ainda que a Sociedade, já por mais de um século, escrevia incansavelmente contra as crenças e conceitos de várias organizações religiosas que ela condenava. Daí, pedi gentilmente que ela abrisse o livro “Clímax de Revelação”, página 146, e observasse o clérigo ironicamente flechado no traseiro. Ela disse que não tinha o livro ali ao alcance mas lembrava bem dessa gravura engraçada. Perguntei se ela se sentia feliz ao ver sua religião orgulhosamente estampar “uma caricatura… típica das publicações dos anos anos 30 na era Rutherford.” Para minha surpresa, ela respondeu que não. Por fim, afirmei que eu mesmo já havia achado tais críticas muito engraçadas e corretas, mas tentava não mais usar essa abordagem desrespeitosa, pois algo me dizia que eu devia me referir respeitosamente à fé dos outros e não julgar o cristianismo alheio de forma intolerante e fanática. Agir assim poderia contribuir para que eu me aproximasse do amor de Deus. Pouco depois ela desligou menos “confusa”, como se descreveu no final.

Uma outra TJ (ativa) e que se dizia muito “antiga” na organização, escreveu-me bastante irritada, e ordenou no final de seu e-mail:

“Senhor apóstata,

…E pare de correr atrás dos meus irmãos para lhes tirar da organização por mostrar os erros passados da organização…! O que você tem de melhor para oferecer para eles? Tem outro caminho? Descobriu uma outra verdade?”

Ao quê, respondi-lhe:

“Prezada leitora,

…E jamais corri atrás de seus irmãos para lhes tirar de algum lugar. Não existe isso na Internet. As pessoas que vêm até nós. Agora, VOCÊ e outras Testemunhas talvez estejam ‘correndo atrás das pessoas’ no próximo final de semana, em visitas não solicitadas. Ou não é esse o objetivo final do serviço de porta em porta – tirar alguém de algum lugar? Quanto aos erros, quer ‘passados’ quer presentes, você bem sabe que alguns não se interessam por eles. Uma considerável parte das Testemunhas nem mesmo se importam se a organização está certa ou errada – querem simplesmente ficar aí como você está e pronto. Já ouvi isso de muitas Testemunhas de uns tempos para cá. Uma delas chegou a me dizer que, se a Sociedade liberasse o sangue para transfusões, por exemplo, ela acharia isso ‘apenas mais um avanço da luz que brilha mais e mais’. …Muitas delas têm seus motivos pessoais para ficar onde estão. Talvez não vejam vantagens que compensem ‘mexer no que está quieto’, não é verdade? Você deve conhecer outros que ficam porque apreciam usufruir o poder dos cargos ou ‘privilégios’ que a organização lhes confere e que, provavelmente fora dela, jamais teriam. Você deve saber que há também os que apreciam o destaque e a “segurança” providas pela organização e sua mega-estrutura. Por fim, deve também deduzir que existam outros que realmente acreditem em tudo que a organização lhes diz vir da Bíblia. Olha, para ser muito franco, cara leitora, disponibilizo as informações apenas para pessoas que desejarem acessar e se informar, como você o fez mesmo sabendo que sua organização proíbe tal liberdade e que, se descoberta, sofrerá terríveis punições caso não se retrate. Ademais, estou bem ciente de que nem sempre devemos mexer na área de conforto emocional de certas pessoas mesmo porque há coisas muito sérias a serem levadas em amorosa consideração em cada caso. Quanto a ‘outro caminho’ e outra verdade’, a quem me pergunta sobre isso eu apenas aponto a resposta da Bíblia em João 14:6 – pois não é esse o ÚNICO CAMINHO que as Escrituras endossam? Acho que ‘ele’ deveria ser suficiente para qualquer TJ tanto quanto o é para mim.”

A colocação sobre nem sempre mexermos na área de conforto emocional de certo grupo de Testemunhas de Jeová, é uma das preocupações de muitos que estão fora da organização. Ricardo Lira, um amigo Testemunha de Jeová afastado, escreveu sobre esse aspecto que leva em conta a questão do amor ao próximo:

“Há uma parcela das vítimas da Sociedade Torre de Vigia cujo resgate seria DEMASIADO PERIGOSO por estarem em uma faixa etária em que sua saúde não permite grandes abalos. O tempo também corre contra elas e já não têm mais como se refazer das perdas acumuladas ao longo de anos. São pessoas acima de 60 anos, com uma história de décadas sob o controle do CG e cuja existência foi totalmente dedicada a espalhar as idéias de Russell/Rutherford e Cia. pela sua comunidade, sem medir sacrifícios. Encarar agora TODA UMA VIDA DESPERDIÇADA é uma carga demasiado pesada para se atar aos ombros já combalidos de pobres seres humanos espiritualmente sedentos e ludibriados por conta dessa mesma sede. Pessoalmente, tenho contato com algumas dessas pessoas – seres humanos excelentes – aos quais eu JAMAIS OUSARIA FALAR UMA SÓ PALAVRA DE TUDO O QUE SEI. Ao contrário, trato-os como dependentes químicos além de qualquer ajuda, para os quais a retirada súbita da droga causar-lhes-ia a morte quase imediata ou o definhamento progressivo. Não quero isso para eles. A verdade tem, às vezes, um preço muito alto. Salomão dizia: “quem incrementa o conhecimento incrementa a DOR”. Concordo. Pelo menos uma parcela das pobres vítimas TJ precisa ser poupada dos fatos. O mundo da fantasia talvez lhes dê uma existência mais benigna nesta fase final de suas vidas.

Creio que nossa mensagem devem destinar-se àqueles que AINDA PODEM RESGATAR PARTE DE SUAS VIDAS. Isso é verdadeiro no caso de jovens, com todo um futuro pela frente, ameaçado pelo Corpo Governante TJ e adultos que ainda podem reverter o mal, pelo menos na vida de seus filhos menores. Os velhos e doentes precisam ser poupados. Para citar um exemplo, há algumas semanas visitei um ancião – figura muito querida e realmente um ser humano sincero e bom. A “organização” É, DE FATO, A VIDA DELE. Ele teve de submeter-se recentemente a uma neurocirurgia, o que resultou em uma perda temporária de suas funções motoras. Encontrei-o muito deprimido, abatido e chorando por qualquer coisa. Sobre a cama, vi aquele ser fragilizado e busquei contribuir para sua recuperação, animando-o com as palavras: “Tenha fé e continue orando. Estou certo de que brevemente voltará a proferir discursos, ir ao campo e dirigir o estudo das publicações.” Acho que o efeito de minhas palavras foi bom. Ele se recupera rapidamente. Por outro lado, estou certo de que, se ele tomasse conhecimento dos fatos, talvez jamais saísse daquele leito, ou até saísse – rumo ao cemitério…

Que cada um saiba usar de discernimento, elegendo o público adequado para tomar conhecimento do que sabemos. Do contrário, faremos mais mal do que bem.”

Eis aqui uma questão difícil e que exige discernimento e madureza: FALAR OU NÃO FALAR para certos tipos de pessoas (Eclesiastes 3:1,7). Evidentemente, no conhecimento há sofrimento, pois a Biblia declara: “…aquele que incrementa o conhecimento, incrementa a dor” (Eclesiastes 1:18b). Porém, incontáveis vezes o preço da ilusão pode ser muito mais alto! Qualquer que seja a alternativa escolhida, quer o conhecimento ou a ignorância de alguém, dentro ou fora da organização, o importante é continuar dentro do amor de Deus levando em conta o bem-estar de nosso próximo por pensar na relação custo-benefício das duas opções.

Para ilustrar mais ainda esse ponto, recordo o que ocorreu na noite em que minha esposa e minhas duas cunhadas Adriane e Andréa entregaram suas cartas de dissociação ao corpo de anciãos. No final daquela reunião, uma Testemunha de Jeová muito zelosa, de um coração muito bondoso, já em idade avançada e por nós muito amada, aproximou-se chorando copiosamente, perguntando à minha esposa:

“Mas, irmã Silene, tudo que eu e Manuelzinho fizemos foi em vão? Nada será de proveito? Tantos sacrifícios por todos esses anos servindo de sol a sol…?”

Minha esposa se sentiu profundamente sensibilizada com o abalo emocional daquela irmãzinha. Comovida e com muita pena dela, ela apenas lhe assegurou que todos nós estávamos saindo da organização, mas jamais iríamos nos afastar de Jeová. E foi tão-somente nas muitas lágrimas que rolavam pelo rosto daquela irmã, que encontramos a razão pela qual muitos iriam preferir ficar. Entendemos naquele dia quão difícil seria sair principalmente para muitas pessoas que haviam dedicado o inteiro curso de suas vidas no serviço fiel e integral à organização.

Por essa razão e outras, não “corremos atrás das pessoas para lhes tirar de algum lugar” mas ainda assim, cremos que a informação deva ser disponibilizada para quem a desejar pois foi desse modo que nós mesmos tivemos a chance e o direito de obtê-la um dia e somos INFINITAMENTE gratos por isso.

Embora muitos de nós que saímos como “apóstatas” do ponto de vista da organização, continuemos a ser sentenciados e condenados à “destruição” pela Torre de Vigia, sentimo-nos felizes de que APENAS DEUS possa nos julgar acertadamente no tempo devido (1 Cor. 4:3-5). Sentimo-nos também em paz com nossas consciências pois sabemos que dentre os supostos “apóstatas”, existem muitas pessoas que mostram genuíno amor ao seu próximo, conforme evidenciado na atitude de Ricardo Lira, meu grande amigo citado anteriormente.

É também na visão das cicatrizes quase apagadas de muitos que saíram, de sua liberdade e felicidade, que encontramos forças adicionais para continuar nesse trabalho de esclarecimento. E é por meio do testemunho vivo de muitas dessas pessoas que hoje em dia estão vivendo de modo livre e cristão que fortalecemos a compreensão dos efeitos danosos do jugo humano ao passo que alertamos outros sobre os perigos disso. (Revista A Sentinela de 15 de julho de 1974, pág. 419, par. 3)

Ao pensarmos na liberdade cristã, devemos enfatizar as palavras poderosas do apóstolo Paulo em Gálatas 1:10:

“É, DE FATO, A HOMENS QUE AGORA ESTOU TENTANDO PERSUADIR, OU [É] A DEUS? OU BUSCO EU AGRADAR A HOMENS? SE AINDA ESTIVESSE AGRADANDO A HOMENS, NÃO SERIA ESCRAVO DE CRISTO.”

Esse forte alerta bíblico deve nos lembrar de que é somente na pessoa amorosa de Jesus Cristo e em seu jeito maravilhoso de mostrar compaixão e misericórdia que podemos encontrar genuína paz, e é por essa razão que muitos optam por continuar FORA da organização mas DENTRO do amor de Deus, e como escravos APENAS DE CRISTO. (Leia Mateus 11:25-30)