Sobre as Testemunhas de Jeová
Orientações Perigosas – Parte 1 – Os Transplantes – William Gadelha
Orientações Perigosas – Parte 1 – Os Transplantes – William Gadelha

Orientações Perigosas – Parte 1 – Os Transplantes – William Gadelha

Copyright © 2011 William Gadêlha

Atualizado 2021

  • Culpa de Sangue

Ao longo dos anos, o tema da culpa de sangue tem sido um dos mais recorrentes nas publicações da Torre de Vigia. Como exemplo disso, A Sentinela 1º de dezembro de 1978, página 25, diz:

Muitos pensam em culpa de sangue apenas em termos de homicídio deliberado… Mas as Escrituras mostram que, por ser a vida sagrada, haveria certa medida de culpa de sangue mesmo que a morte de alguém fosse causada sem intenção(O grifo é meu)

E passa, então, a citar exemplos de como isso pode acontecer.

Por meio do próprio derramamento de sangue, no Salmo 5:6:

Destruirás os que falam mentira. Jeová detesta o homem que derrama sangue e que engana.”

Por negligência, em Deuteronômio 22:8:

“Caso construas uma casa nova, tens de fazer também um parapeito para o teu terraço, a fim de que não ponhas culpa de sangue sobre a tua casa porque alguém caindo se precipite dela.”

E também em Êxodo 21:29:

“Mas, se o touro anteriormente escornava e se se tiver advertido o seu dono, mas este não o tiver mantido sob guarda, e ele matou um homem ou uma mulher, o touro deve ser apedrejado e também o seu dono deve ser morto.”

E adverte com estas palavras do Salmo 51:14:

“Livra-me da culpa de sangue, ó Deus, o Deus da minha salvação.”

A organização Torre de Vigia é, pois, muito consciente dos vários aspectos envolvidos em por em risco a vida de outros seres humanos. De fato, ela se põe na posição de quem, advertindo seriamente os outros da seriedade desta questão aos olhos de Deus, está em posição de autoridade para fazê-lo, parecendo isenta de alguma culpa neste respeito.

Assim, parece surpreendente o tema desta página em afirmar que orientações perigosas possam emanar da direção da Torre de Vigia.

Não se pode acusar a Torre de Vigia de derramar sangue pelas armas, é verdade. Mas, está ela isenta de responsabilidade por transmitir informações ou preceitos que resultem em pessoas sofrerem sérios danos físicos ou mesmo a morte?

Embora amplamente ignorada pela imensa maioria das Testemunhas de Jeová, uma das questões em que esta orientação perigosa se tornou mais evidente foi a que diz respeito aos transplantes de órgãos.

“Mas espere”, dirão alguns, “a organização não proíbe os transplantes de órgãos! Tenho certeza disso. Até conheço um irmão que já recebeu um órgão!”

E tem razão! O Corpo Governante das Testemunhas de Jeová não proíbe os transplantes. No presente! Mas, examinemos seu histórico.

Não dispomos de registros anteriores aos anos 60. Então, a revista The Watchtower 1º de agosto de 1961, página 480, manifestou-se em resposta a um leitor. Este queria saber se havia na Bíblia algo contra doar os olhos para transplante. Veja a resposta na sua versão em português, A Sentinela 1º de fevereiro de 1962, página 96:

A questão de se colocar o corpo ou parte do corpo à disposição dos… médicos, após a morte,… para transplantação em outros, não é vista com bons olhos por certos grupos religiosos. Entretanto, não parece haver nenhum princípio ou lei bíblica envolvida. É, portanto algo que cada pessoa deve decidir por si mesma(O grifo é meu)

Confira essa fotocópia do original da revista A Sentinela:

ou aqui: http://corior.blogspot.com/2006/02/68-o-corpo-governante-e-os.html

Pronto, as Testemunhas estavam então livres para recorrer a um transplante. Era uma “questão de consciência”, expressão usada para dizer que cada adepto da organização pode decidir com base em seu discernimento pessoal, sem seguir determinações do Corpo Governante naquela época em Brooklyn, EUA, não em Warwick, como é hoje no ano de 2021. Reconhecia que não havia “princípio ou lei bíblica envolvida”. Sábia e correta decisão!

Infelizmente, não ficou nisso.

Anos depois, The Watchtower de 15 de novembro de 1967 voltou a tratar da questão. Aqui temos a versão em português na Sentinela 1º de junho de 1968. Respondia, mais uma vez, basicamente à mesma pergunta:

Será que há alguma objeção bíblica a que se doe o corpo para uso na pesquisa médica ou que se aceitem órgãos para transplante de tal fonte?

A longa resposta, a partir da página 349, explicava que Deus permitira que os humanos matassem animais e se alimentassem de sua carne, e daí perguntava:

Será que isto incluía comer carne humana, sustentar a vida duma pessoa por meio do corpo ou de parte do corpo de outro humano, vivo ou morto?

Aí vinha a resposta:

Não! Isso seria canibalismo, costume repugnante a todas as pessoas civilizadas.

Confira essa fotocópia do original da revista A Sentinela:

ou em: http://corior.blogspot.com/2006/02/69-o-corpo-governante-e-os.html

Como vemos aqui, não havia textos bíblicos, mas classificava-se o transplante como “canibalismo”. Ora, canibalismo, segundo a Wikipedia, “consiste no ato de consumir uma parte, várias partes ou a totalidade de um indivíduo da mesma espécie”. O transplante é algo totalmente diferente. Procuraram relacionar o transplante ao canibalismo, “costume repugnante a todas as pessoas civilizadas”, para, deste modo, passar para o leitor civilizado uma imagem totalmente negativa daquilo que queriam condenar.

Mais adiante (página 350) prosseguia o artigo da Sentinela, referindo-se às cirurgias para transplantar órgãos:

Aqueles que se submetem a tais operações vivem às custas da carne de outro humano. Isso é canibalesco.

Confira a fotocópia do original da revista A Sentinela:

ou em: http://corior.blogspot.com/2006/02/70-o-corpo-governante-e-os.html

E continuou em seu argumento tortuoso:

Não obstante, ao permitir que o homem comesse carne animal, Jeová Deus não deu permissão para os humanos tentarem perpetuar suas vidas por receberem canibalescamente em seus corpos a carne humana, quer mastigada quer na forma de órgãos inteiros ou partes do corpo, retirados de outros. 

Veja que raciocínio! Diz-se que Deus “não deu permissão” para um procedimento médico chamado de transplante que só veio a surgir muitos e muitos séculos mais tarde! O autor do artigo, além de usar o termo “canibalescamente”, tenta imaginar o que Deus tinha em mente quando deixou de permitir o uso de órgãos humanos, isto é, Deus tinha em mente proibir os transplantes! No entanto, em parte alguma da Bíblia há registro de tal proibição. Se Deus deixou de permitir o transplante (cujo conceito sequer existia naquela época), também deixou de proibi-lo, e este é o fato mais relevante da questão.

Em seguida, a revista da Torre de Vigia traça um paralelo com antigos costumes supersticiosos chineses que envolviam comer partes de corpos de parentes para cura de doenças. O objetivo é sempre exibir um enfoque negativo, mesmo que um ato de superstição nada tenha que ver com a prática médica científica. O Corpo Governante faz isso provavelmente por sentir que está em falta o fundamento principal, o bíblico.

Mais adiante, o artigo pergunta o que se deve fazer quando se pede a um “cristão” (isto é, a uma Testemunha de Jeová) para doar para transplante um órgão seu ou de um ente querido. A resposta vem em forma de pergunta:

Se o cristão decidiu pessoalmente que não sustentaria sua própria vida com a carne de outro humano imperfeito, será que poderia, em sã consciência, permitir que parte de sua carne seja usada dessa forma, para sustentar a outrem? (O grifo é meu) Confira:

http://corior.blogspot.com/2006/02/70-o-corpo-governante-e-os.html

Para os familiarizados com o linguajar das publicações da Torre de Vigia a diretriz é clara: as Testemunhas estavam proibidas de recorrer a transplantes de órgãos. Note-se a palavra “pessoalmente”, que aí não faz sentido algum, visto que a partir daquele momento o Corpo Governante já tomara a decisão por TODOS. Quer se dar a impressão de que cada Testemunha de Jeová pessoalmente tomou sua própria decisão. E assim, essa fabulosa inovação da medicina, capaz de aliviar inúmeros padecimentos humanos e até mesmo de salvar vidas, foi tachada de “canibalismo” e vista como algo para o qual Deus “não deu permissão”.

O artigo prossegue falando de restrições que alguns médicos, de início, faziam aos transplantes. Visava a exibir alguma espécie de base científica para a proibição, o que nada tinha que ver com a verdadeira opinião da organização, que era religiosa e supostamente bíblica. Além disso, a Torre de Vigia despreza como “sabedoria do mundo” os pontos de vista médicos sempre que estes não coincidem com seus preceitos, mas apreciam citá-los quando seus conceitos de algum modo se ajustam às ideias da organização.

Citava também o texto de Romanos 12:1 (Consequentemente, eu vos suplico, irmãos, pelas compaixões de Deus, que apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivo, santo [e] aceitável a Deus, um serviço sagrado com a vossa faculdade de raciocínio.), com a esdrúxula interpretação de que se os corpos dos cristãos são um sacrifício vivo a Deus, estes não podem ser mutilados com a retirada de órgãos para transplante, mesmo depois de mortos!

Traçou ainda paralelos com o uso do sangue e falou das autópsias, mas em tudo isso foi notória a ausência de textos bíblicos que de fato apresentassem algum tipo de condenação aos transplantes de órgãos.

Se alguém achou que as declarações desta Sentinela não estavam suficientemente claras, meses depois a Despertai! 8 de dezembro de 1968 não deixava margem alguma a dúvidas. Examine a página 22:

Não devem ser despercebidas as questões religiosas e bíblicas envolvidas. Há aqueles, como as testemunhas cristãs de Jeová, que consideram todos os transplantes entre humanos como canibalismo; e não é canibalística a utilização da carne de outro humano em benefício da vida da própria pessoa? (O grifo é meu)

ou aqui: http://corior.blogspot.com/2006/02/71-o-corpo-governante-e-os.html

Vale a pena comparar este último trecho com a já citada Sentinela de 1º de fevereiro de 1962. Esta dizia que a transplantação não era “vista com bons olhos por certos grupos religiosos”. Mostrava-se aí a organização Torre de Vigia mais “liberal” do que “certos grupos religiosos”, já que logo em seguida reconhecia que “não parece haver nenhum princípio ou lei bíblica envolvida.” Já a Despertai! 8/12/68, contradizendo frontalmente a Sentinela 1/2/62, dizia que “Não devem ser despercebidas as questões religiosas e bíblicas envolvidas.”

A contradição é própria dos raciocínios humanos imperfeitos, não das leis de Deus, emanadas de Sua Palavra, a Bíblia. Agora, a Torre de Vigia mostrava ser mais um daqueles “grupos religiosos” que não viam “com bons olhos” a prática dos transplantes, causando assim um choque entre suas próprias diretrizes de 1961 e 1968. Isso até que não teria tanta importância se não estivesse em jogo algo tão grave: o bem-estar e as vidas preciosas de seres humanos.

A mesma Despertai!, na página 30, após citar algumas opiniões médicas de cautela com respeito aos transplantes, reafirmava:

Todavia, as Testemunhas de Jeová se opõem em sã consciência a todos os transplantes como sendo mutilação desnecessária de seus corpos criados por Jeová, e puro canibalismo. (O grifo é meu)

http://corior.blogspot.com/2006/02/71-o-corpo-governante-e-os.html

Mutilação desnecessária”! Deste modo chocante, o Corpo Governante descrevia a remoção cirúrgica do órgão de um corpo humano para outro corpo humano, com o objetivo de aliviar sofrimentos e salvar vidas!

Oito anos se passam. Chega A Sentinela 1º de setembro de 1980. Na página 31, a pergunta do leitor:

Deve a congregação tomar ação quando um cristão batizado aceita o transplante dum órgão humano, tal como a córnea ou um rim?

E a resposta era:

No que se refere ao transplante de tecido ou osso humano de um humano para outro, é um caso de decisão conscienciosa de cada uma das Testemunhas de Jeová. (O grifo é meu)

Simples, simples! Num único parágrafo liberou-se o que estava proibido. Para as Testemunhas de Jeová, as palavras “caso de decisão conscienciosa de cada uma” significa simplesmente que o Corpo Governante não mais considera pecado o transplante de órgãos. E é interessante observar os raciocínios que vêm logo após:

Alguns cristãos podem achar que aceitarem no seu corpo o tecido ou parte do corpo de outro humano é canibalesco. (O grifo é meu)

E prosseguia, sem mencionar que o assunto já tinha sido tratado em edições anteriores, em mostrar como esses “alguns cristãos” podiam raciocinar que não havia muita diferença entre transplante e comer pela boca, de como os antigos servos de Deus encaravam a questão de comer carne humana, de como alguns discípulos de Jesus se chocaram com as palavras Dele sobre comer de sua carne e beber de seu sangue em João 6:48-66, etc. Isto é, abordaram como sendo a opinião de “alguns cristãos” aquilo que tinha sido a opinião deles próprios, os do Corpo Governante! Essa tática é antiga. Ao ler esta revista, o leitor desinformado poderia pensar:

1) Que o tema nunca tinha sido abordado antes nas publicações da Torre de Vigia;

2) Que a revista estava simplesmente respondendo à indagação de um leitor curioso, e que a organização estava apenas prestimosamente satisfazendo-lhe a curiosidade;

3) Que “alguns” adeptos da religião (os “alguns cristãos”), individualmente, é que estavam com esses pensamentos restritivos, e o Corpo Governante, de modo sábio, estava por meio da revista ajudando-os a ter o conceito correto.

Ao que parece, alguém do Corpo Governante deve ter percebido que a orientação anterior carecia totalmente de base bíblica e tinha de ser mudada. Isso, porém, obedeceu a uma estratégia que visava a esconder, na medida do possível, qual tinha sido a diretriz anterior. Afinal de contas, não ficava nada bem para o Corpo Governante a evidência de um erro tão grave.

No parágrafo seguinte, a revista dizia:

Embora a Bíblia proíba especificamente a ingestão de sangue, não há nenhuma ordem bíblica que proíba especificamente receber outros tecidos humanos… É um assunto para decisão pessoal. (Gál. 6:5) A comissão judicativa da congregação não tomaria nenhuma ação disciplinar, se alguém aceitasse o transplante dum órgão. (O grifo é meu)

Ou aqui: http://corior.blogspot.com/2006/02/72-o-corpo-governante-e-os.html

Não há de fato “nenhuma ordem bíblica” que proíba receber tecidos humanos. Todavia, já não havia ordem bíblica em 1968, quando A Sentinela 1º de junho, mesmo assim, condenou os transplantes! Se fosse verdade que Deus orienta os “ungidos do Corpo Governante”, onde estava tal orientação quando os transplantes foram condenados como canibalismo treze anos antes? Para onde foi o argumento de que os “que se submetem a tais operações vivem às custas da carne de outro humano”? Agora que os transplantes estão liberados, como fica aquela declaração tão veemente de que “ao permitir que o homem comesse carne animal, Jeová Deus não deu permissão para os humanos tentarem perpetuar suas vidas por receberem canibalescamente… órgãos inteiros ou partes do corpo, retirados de outros”? Como ficam as palavras tão eloquentes da Despertai! 8/12/68, “as testemunhas de Jeová se opõem em sã consciência a todos os transplantes como sendo mutilação desnecessária de seus corpos criados por Jeová”?

O ensino da Torre de Vigia de que sua direção, o Corpo Governante, é orientada ou dirigida por Jeová, fica assim totalmente exposto não só como falso, mas também como altamente prejudicial para aqueles que o acataram.

Prejudicado foi quem, entre 1967 e 1980, precisou de um transplante de córnea para recuperar a visão e não o fez, quem precisou de um transplante de fígado, rim, pulmão ou medula óssea para recobrar a saúde e se recusou a recebê-lo. Prejudicado foi quem precisou de qualquer destas modalidades de transplante para preservar a vida e morreu.

Recentemente, um site na Internet chegou ao ponto de tentar defender essa posição da Torre de Vigia. Tendo provavelmente em mente os críticos da organização, ele dizia:

“Em seu incansável esforço por desacreditar as testemunhas de Jeová e por transmitir uma má imagem delas, alguns inimigos religiosos utilizam uma acusação relacionada com a postura das testemunhas de Jeová com respeito aos transplantes entre 1967 e 1980.”

Falando em “uma má imagem” e em “uma acusação relacionada com a postura das testemunhas de Jeová com respeito aos transplantes” ele dá a impressão de que os “inimigos religiosos” transmitem uma postura falsa. Mas será que foi o caso? Mais adiante, ele argumenta:

“A técnica dos transplantes ainda estava em fase experimental na década dos 60, de maneira que, à medida que se foi resolvendo o problema ético da mutilação, o grande tema de debate desta década foi o da utilização dos transplantes em seres vivos com fins experimentais. De fato, o catedrático de anestesiologia da Faculdade Médica de Harvard Henry Beecher, publicou a 16 de junho de 1966 seu famoso artigo denunciando uma extensa série de experimentos médicos eticamente questionáveis (Henry K. Beecher, “Ethics and Clinical Research”. New England Journal of Medicine 1966; 274: 1354-60). Pouco depois, em 1967 apareceu um livro na mesma linha que não demoraria em fazer-se famoso: Human Guiné Pigs (Conejillos de índias humanos), do médico britânico M.H. Pappworth.”

Copiando a conhecida tática da Torre de Vigia, de falar muito para impressionar os leitores com uma falsa erudição e desviar-se do foco da questão, o trecho acima enfatiza o aspecto relacionado com a mutilação e trata de aspectos éticos, que não foram o motivo da proibição da Torre de Vigia. Depois cita A Sentinela 1/6/68, páginas 349-351, que condenara os transplantes. A respeito desta última, o autor reconhece:

“De maneira que a posição da revista nesta data é claramente contrária aos transplantes. Sem dúvida, nesta postura influiu o artigo sobre “Canibalismo médico” da Encyclopœdia of Religion and Ethics (Enciclopédia de religião e ética), de James.”

Portanto, a verdadeira “postura” da Torre de Vigia era claramente “contrária aos transplantes”. Se os “inimigos religiosos” transmitiram uma “má imagem”, esta foi certamente verdadeira. Ninguém distorceu nada com respeito a isto.

Ainda no trecho que sublinhamos acima, está a tônica da justificativa: a influência de outras fontes, religiosas, sobre a decisão do seu Corpo Governante, que de fato tomava e ainda toma as decisões que todas as Testemunhas devem acatar. Em acréscimo a esta explicação, acrescentava:

“especialmente desde 1983, transplantes de órgãos deixaram de ser uma técnica experimental para passar a ser uma terapia médica. De fato, desde aquele ano e até os anos 90, muitas igrejas da cristandade e outras religiões começaram a emitir resoluções oficiais a favor dos transplantes de órgãos.”

Aqui, ao defenderem as posturas da Torre de Vigia, esquecem o fato de que a organização faz questão de destacar-se das outras religiões, tidas como falsas e sob influência de Satanás. Ela afirma ser dirigida pelo “escravo fiel e discreto”, tomando decisões que refletem a vontade de Deus e a Bíblia Sagrada. De fato, ao longo de sua história a organização esmerou-se em tomar posições contrárias (e com satisfação) às de todas as demais igrejas cristãs. O autor deste site, porém, procura nivelá-la a estas, como que justificando-a por ter feito mudanças passo a passo com as outras! Espera que o leitor veja nisso algo de compreensível e que de certo modo “desculpe o erro” da organização. Espera que as pessoas achem que ela estava apenas acautelando seus adeptos quanto a uma terapia que ainda estava em seus estágios iniciais, o que não é verdade. Seu argumento básico era: “Jeová Deus não deu permissão para os humanos tentarem perpetuar suas vidas por receberem canibalescamente em seus corpos a carne humana, quer mastigada quer na forma de órgãos inteiros ou partes do corpo, retirados de outros.”

A partir daí, o artigo do defensor da Torre de Vigia faz considerações sobre posturas científicas e posições de diversas religiões sobre os transplantes ao longo dos anos 60. Uma longa dissertação que nada tem a ver com o assunto, pois as decisões religiosas do C. G. das Testemunhas de Jeová não dependem e nunca dependeram do que cientistas ou líderes religiosos acham. Os motivos que sempre apresentaram eram supostamente bíblicos. Nunca tiveram satisfações a dar a outros, mas o autor vale-se deste recurso para tornar menos grave a terrível falha da Torre de Vigia, que resultou em danos à vida e à saúde de seus seguidores.

Finalmente, ele questiona se alguém realmente chegou a sofrer danos por ter obedecido à orientação.

De fato, não há estatísticas a respeito. Como a norma prevaleceu de 1967 a 1980 (quase 13 anos) é razoável crer que transplantes de medula, rim, fígado, coração, pulmão, córnea e outros, deixaram de ser efetuados em Testemunhas de Jeová ao longo desse tempo. Quantos, talvez nunca venhamos a saber. Mas o autor do artigo menciona o caso mais conhecido de Arvid Moody, que morreu em 1978 (dois anos antes da liberação dos transplantes pelo Corpo Governante) em consequência de ter obedecido à diretriz da Torre de Vigia. Ainda que tivesse sido a única vítima, foi uma preciosa vida humana que se perdeu. Sobre quem pesa esta culpa? E ainda procuram lançar dúvidas sobre este relato, por ter vindo de Debbie Moody Shard, filha do morto, dizendo que ela se tinha tornado opositora e trabalhava contra a organização, como se isso a desqualificasse. Também seria de espantar que ela, perdendo o pai em condições tão lamentáveis, adotasse outro proceder. Aliás, aqui está o relato dela, que foi enviado ao site “Memorial das Vítimas da Torre de Vigia”, em 27 de setembro de 1997:

“Ele era meu pai, ancião da congregação Hyde Park, nos arredores de Boston (EUA). e recusou um transplante de órgão por que a organização chamava de canibalismo. Tenho seu atestado de óbito. Dois anos depois, disseram que era questão de consciência.”

Outro relato, vindo de Gary Busselman, ex-Testemunha de Jeová:

“Envolvi-me com a organização Torre de Vigia dos 7 até por volta de 30 anos de idade. Tive uma crise de consciência que começou depois que encorajei minha esposa a seguir a diretriz da Torre de Vigia e rejeitar um transplante [de medula óssea] que os médicos disseram que seria necessário para salvar a vida dela. Com o transplante, os médicos lhe davam 50% de chances de recuperação. Sem a operação, suas chance eram de 0%. Minha esposa, Delores Lorraine Busselman, faleceu em 12 de janeiro de 1971, aos 26 anos, sem chance de recuperação. A Sentinela proibira os transplantes em 1967. Chamavam de canibalismo. Ela morreu em 1971 e em 1980 eles mudaram sua norma e desde então os adeptos podem fazer transplantes…. Não sei se ela teria se recuperado com o transplante, mas ela jogou fora uma chance de 50%. Ela merecia ter essa chance, já que nove anos depois eles mudaram essa norma.”

Até onde mais pode ter ido o dano causado a pessoas como Arvid Moody e Delores Busselman, talvez nunca venhamos a saber. Uma coisa é certa, porém: alguém perdeu a vida em razão da orientação falsa recebida do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová. E isto é culpa aos olhos de Deus!

Se os já citados textos de Deuteronômio 22:8 e Êxodo 21:29 refletem o conceito de Deus sobre a vida, conceito este tão alto que mesmo sem ter intenção, alguém podia ser culpado de sangue, como ficam diante disto os homens do Corpo Governante?

Hoje, a imensa maioria dos mais de 8 milhões de Testemunhas de Jeová (2020) ignora este lamentável episódio e segue pensando que dispõe de uma orientação segura, provida por homens supostamente “ungidos” por Deus. E alguns destes, quando vêm a tomar conhecimento do caso dos transplantes, preferem criar explicações sem nenhum sentido. Há anos, quando expus a questão para uma pessoa de minha família, a reação foi:

“Mas temos que entender que naquele tempo os irmãos do Corpo Governante ainda não sabiam muito sobre os transplantes, e a própria medicina ainda estava aprimorando seus conhecimentos.”

Como se o Corpo Governante dependesse dos médicos quando elabora seus ensinos e normas! Se não sabiam, a admissão dessa ignorância devia tê-los feito abster-se de criar normas sem base bíblica. Se não havia ainda conhecimento abundante a respeito, que aguardassem até que este estivesse disponível, mas não condenassem uma terapia acerca da qual Deus nada dissera.

Também há anos, um amigo muito estimado, também ancião, ao ouvir minhas opiniões sobre este e outros erros do Corpo Governante, argumentou:

“Mas, William, isso são coisas que já foram mudadas! O que foi que restou de tudo isso?”

Ora, ainda havia muitas coisas erradas por corrigir, o passar dos anos não apaga a gravidade do erro cometido, mas isso não era o mais importante. Os adeptos mais fervorosos da organização passaram tanto tempo ouvindo e repetindo que ela é de Deus, que é dirigida por Deus, abençoada por Deus e por Deus protegida, que, mesmo quando confrontados com as evidências irrefutáveis de sérios erros, não conseguem enxergá-los em sua plenitude. Acham que, de algum modo inexplicável, ELA CONTINUA A SER A “ORGANIZAÇÃO DE DEUS”! Simplesmente não conseguem mudar esta ideia central e preferem seguir em frente, acompanhando a organização (não o Cordeiro – João 14:6) para onde quer que ela vá! Ao mesmo tempo, quando se trata dos erros de outras igrejas, não só a Torre de Vigia como seus adeptos, tornam-se inexplicavelmente intolerantes e implacáveis, ameaçando com as pragas divinas não só erros do presente como também erros do passado, como a Inquisição e as Cruzadas. Aí ninguém pondera nem tenta justificar.

  • Dois pesos e duas medidas!

Nada disso, todavia, escapa aos olhos do Justo Juiz Jeová, que tudo vê e tudo sabe. Ele está ciente da culpa dos que se arvoram em seus representantes e causam danos a seus semelhantes e cabe a Ele tomar um dia a ação necessária. Enquanto isso, o caso dos transplantes fica como estridente exemplo do que pode acontecer quando um punhado de homens toma em suas mãos o direito de interpretar o que é e o que não da vontade de Deus. Que procuremos sempre estar livres de tal arrogância seguindo humildemente as orientações, não de uma organização humana, mas do Criador e de Seu filho, Cristo, pois a Bíblia garante que, quem nele basear sua fé, jamais será desapontado. (Rom. 10:11; 1 Pedro 2:6)